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Lúcia Guimarães

Foi deprimente ver Biden passivo e Trump mentiroso diante de moderadores castrados

Republicano triunfou reafirmando mentiras com abandono e impunidade facilitados pela CNN

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Lúcia Guimarães
Nova York

É possível que Donald Trump, o candidato cuja evidente deterioração mental é frequentemente documentada em coleções de clipes na rede social, tenha triunfado mentindo com abandono e impunidade facilitados pela CNN?

Um Joe Biden passivo, rouco e supostamente gripado chegou para enfrentar os 90 minutos mais cruciais de sua carreira política como uma sombra do combativo presidente que vimos em março passado, no discurso do Estado da União.

Os candidatos à Presidência dos EUA, Donald Trump e Joe Biden, durante debate em Atlanta, na Geórgia - Andrew Harnik - 27.jun.24/Getty Images via AFP/Getty Images via AFP

Logo nos primeiros minutos, Biden parecia um cervo assustado diante de faróis. Trump decolou no debate mentindo, e Biden não conseguia contestá-lo com vigor. Pior, o formato imposto pela CNN, a primeira rede privada a realizar um debate presidencial independente da ONG Comissão de Debates Presidenciais em décadas, determinava que os dois moderadores não fariam checagem de fatos. Parecia prever ainda que, se um dos candidatos –sempre Trump– mentisse e se desviasse da pergunta, os apresentadores deveriam seguir em frente.

O debate não foi um aparente desastre apenas para a candidatura do octogenário Biden. Foi um passaporte para um criminoso condenado e à espera de quatro julgamentos triunfar mentindo. É difícil imaginar que o CEO da CNN, o britânico Mark Thompson, ex-diretor da BBC, o CEO que ajudou a tirar o New York Times de uma crise sem prostituir o jornal, tenha sido o estrategista desta noite lamentável.

É deprimente ver dois veteranos jornalistas com reputação de independência, como os moderadores Jake Tapper e Dana Bash, reduzidos a mordomos solícitos, repetindo "obrigado, presidente Trump" cada vez que ele mentia ou ignorava a pergunta, dizendo o que lhe passava pela cabeça.

A mídia americana não estava e não está preparada para enfrentar uma segunda Presidência Trump. Assistindo ao trem desgovernado do debate, lembrei de reportagens que encontrei no arquivo do New York Times, das décadas de 1920 e 1930.

Uma delas, de 1922, trazia a manchete: "Hitler domado pelo período na prisão". Sim, o jornal mais importante da língua inglesa encarava Hitler como um político normal. Trump, que admira Hitler, Putin e Kim Jong-un, foi, mais uma vez, normalizado para uma audiência global.

Desta vez, o suspense não era sobre promessas de benefícios sociais ou anúncios sobre o arsenal nuclear. Dezenas de milhões de americanos acompanhavam os dois candidatos ansiosos como mães que deixam seus filhos pequenos sozinhos pela primeira vez no escorrega ou na gangorra do parque.

Vai ter tropeço? Gaguejo? Sinal de confusão mental? Eram dois homens que a maioria dos americanos preferia ver de pijama e chinelo em casa, assistindo ao debate entre dois candidatos mais jovens e menos impopulares.

Muito mais do que em 2016, quando Trump não esperava ganhar e fez uma transição de governo caótica e amadora, Trump busca de novo a Casa Branca munido de um manifesto teocrata de quase mil páginas, o Projeto 2025, escrito por uma fundação que parece ter trocado conservadorismo por niilismo.

O republicano apoiado no pódio, que nunca foi acusado de ler um livro, é uma variação do robótico Candidato da Manchúria, não o fantoche de um poder exterior adversário, mas um veículo para inimigos internos da democracia americana, que comprovadamente não representam a maioria dos eleitores.

As contas de jornalistas, escritores, juristas e artistas que acompanho na rede social, todos eleitores de Biden, clamavam, antes do fim do debate: Biden, por favor, renuncie à candidatura.

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