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Mbappé convoca eleitores a votar contra 'extremos às portas do poder' na França

Astro da seleção francesa, que estreia nesta segunda na Eurocopa, atrai críticas ao evitar se referir à ultradireita

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Boa Vista

A alta temperatura da política na França transbordou para a seleção nacional masculina de futebol neste fim de semana, às vésperas da estreia da equipe na Eurocopa, contra a Áustria, nesta segunda (17).

O principal astro e capitão do time, Kylian Mbappé, conclamou os franceses, particularmente as gerações mais jovens, a votar nas eleições legislativas antecipadas convocadas pelo presidente Emmanuel Macron no domingo (9).

Kylian Mbappé durante entrevista coletiva na Alemanha, onde participa da Eurocopa pela seleção da França
Kylian Mbappé durante entrevista coletiva na Alemanha, onde participa da Eurocopa pela seleção da França - Frederic Scheidemann - 16.jun.2024/AFP

Sua fala foi, no entanto, criticada por torcedores que esperavam uma crítica mais direta ao Reunião Nacional (RN), o partido de ultradireita liderado por Marine Le Pen.

"Somos uma geração que pode fazer a diferença. Hoje vemos muito bem que os extremos estão às portas do poder, e temos a oportunidade de escolher o futuro do nosso país. É por isso que chamo os jovens a ir votar, e realmente se conscientizarem da importância da situação", disse Mbappé em entrevista coletiva neste domingo (16), ressaltando ainda os "valores de diversidade, de respeito e de tolerância".

Quando se pediu que o craque dissesse com todas as letras que ele, capitão da seleção, queria que os jovens votassem contra RN, que teve mais do que o dobro de votos que o partido do governo na eleição para o Parlamento Europeu, Mbappé tergiversou, dizendo ser contra ideias polarizadoras em geral.

"Não há diferença entre os extremos. Eu sou a favor de ideias que reúnem", declarou, usando o verbo "rassemblent", em francês —o mesmo usado pela ultradireita.

"Penso que estamos em um momento crucial da história de nosso país. É preciso saber separar as coisas e ter senso de prioridade. A Euro tem um lugar muito importante em nossas carreiras, mas somos cidadãos antes de tudo, e acho que não devemos estar desconectados do mundo que nos rodeia, muito menos quando se trata de nosso país", concluiu.

A fala de Mbappé parecia tentar alinhavar as manifestações dos jogadores sobre as eleições legislativas antecipadas nesses dias de preparação para a Eurocopa. Sua fala remeteu bastante ao discurso oficial da Federação Francesa de Futebol (FFF), que neste sábado (15) divulgou um comunicado em que dizia se associar "ao chamado ao voto, uma exigência democrática".

Por outro lado, a organização também ressaltou que desejava que sua "neutralidade como instituição" fosse "compreendida e respeitada", "assim como a da seleção nacional da qual é responsável". "Deve-se, portanto, evitar qualquer forma de pressão e uso político da seleção da França."

O cenário político na França entrou em ebulição após o resultado das eleições ao Parlamento Europeu, no domingo passado. Com uma vitória esmagadora do RN, Macron tomou a decisão de dissolver a Assembleia Nacional e convocar um novo pleito legislativo nacional meses antes do previsto.

A medida, que é constitucional, foi vista como uma tentativa de Macron de usar o receio de parte da população em relação à ultradireita para catalisar apoio e tentar melhorar sua posição política fora e dentro do Legislativo, onde tem tido dificuldades para aprovar projetos de lei sem maioria parlamentar.

Os rearranjos políticos que nasceram da dissolução, no entanto, com uma esquerda unida e uma direita fragmentada, mas fortalecida pelo pleito europeu, apontam para uma nova derrota do seu partido, o Renascimento, desta vez em nível nacional.

Inicialmente, os atletas tentaram fugir da polêmica. O meio-campista Eduardo Camavinga disse que não tinha pensado sobre as eleições europeias; o zagueiro Dayot Upamecano optou pelo clichê "prefiro falar de futebol"; e o atacante Kingsley Coman afirmou que a equipe estava tentando se concentrar "e não falar de política".

O atacante Ousmane Dembélé discordou dos colegas, porém, ressaltando a abstenção de cerca de 50% do eleitorado no pleito europeu e afirmando que era preciso ir às urnas. O atacante Marcus Thuram foi mais incisivo e aberto quanto a sua preferência, dizendo que era urgente "lutar para que o RN não vença".

"Eu compartilho dos mesmos valores do Marcus. Falei de valores de diversidade, de tolerância, de respeito. É claro que estou com ele nessa, e não acho que ele exagerou ", disse Mbappé na entrevista, esclarecendo seu posicionamento.

"Espero que façamos a escolha certa e espero que ainda estejamos orgulhosos de usar esta camisa em 7 de julho. Não quero representar um país que não corresponda aos nossos valores. Acredito e espero que todos estejamos na mesma página", afirmou o craque.

A fala de Mbappé ecoa a relevância do futebol como um dos espaços de enfrentamento à direita radical no país há anos.

O time de 1998 que foi campeão contra o Brasil representou naquele momento a imagem de sucesso de uma nação formada por imigrantes negros e muçulmanos ante a retórica virulenta da direita radical, representada por Jean-Marie Le Pen —pai de Marine Le Pen.

A equipe que atropelou a seleção brasileira de Ronaldo, Rivaldo e companhia foi chamada pelo Le Pen pai de "negra demais". Fala semelhante se repetiu em 2006.

A Le Pen filha tem a mesma a retórica anti-imigração do pai. Sua estratégia, no entanto, tem sido há anos se afastar de temas e falas muito extremistas de modo a tentar criar uma imagem mais moderada do partido. Em 2022, atletas da seleção masculina e feminina assinaram carta pedindo para que os franceses votassem em Macron em detrimento de Le Pen no segundo turno.

A opção de Mbappé por não atacar diretamente a ultradireita lembra a do próprio Macron, que trabalhou nos bastidores para manter o craque no Paris Saint-Germain em meio às eleições de 2022. O presidente francês costuma dizer que é contra radicalismos de ambos os lados do espectro político para conquistar as franjas moderadas dos dois polos.

"Sim, nós conversamos e ele me deu bons conselhos. Quando se é uma figura nacional, há direitos e deveres e temos de assumir tudo o que somos enquanto jogador e homem", disse Mbappé sobre a relação com o político em 2022, confirmando o contato com ele e a sua influência sobre a sua carreira naquele ano.

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