Índia, Arábia Saudita e África do Sul rejeitam comunicado de conferência sobre paz na Ucrânia

Texto aguado frustra Kiev e é boicotado por 12 dos 90 países presentes; Zelenski cobra Brasil, que era só observador

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Como parecia claro desde o começo, terminou sem consenso a conferência sobre a paz na Ucrânia promovida no fim de semana na Suíça. Países mais representativos do chamado Sul Global boicotaram o texto do comunicado final da cúpula, divulgado neste domingo (16).

Os suíços já haviam falhado em atrair 70 dos 160 países convidados, e o Brasil aceitou participar apenas como observador do encontro. Foi criticado pelo presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, e posto na mesma categoria que os chineses, aliados dos russos.

"Assim que o Brasil e a China aderirem ao princípios de todos nós aqui, países civilizados, ficaremos felizes em ouvir suas opiniões, mesmo que elas não coincidam com a da maioria do mundo", disse, repetindo sua instância crítica ao governo Lula (PT).

Homem de calça marrom e agasalho escuro caminha junto a pódio com vários homens e algumas mulheres em trajes formais
Observador por participantes da cúpula da Suíça, Zelenski chega para a fotografia final do evento - Ludovic Marin/AFP

Rejeitaram o texto final Índia, Arábia Saudita, México, África do Sul, Emirados Árabes Unidos, Tailândia, Armênia, Bahrein, Colômbia, Indonésia, Jordânia e Líbia, todos integrantes do escaninho do Sul Global, termo impreciso que busca agrupar países que tentam evitar a polarização vigente entre Estados Unidos e China.

O maior peso relativo na discussão foi o da Índia, convencida pelo presidente ucraniano a participar na última hora. A China, outro ator essencial, não aceitou ir a uma reunião que excluísse a Rússia.

Ao fim, com a exceção das russófilas Hungria e Sérvia, o comunicado reuniu quem usualmente apoia a Ucrânia contra a invasão promovida por Vladimir Putin em 2022. Por outro lado, os ambíguos turcos assinaram o texto.

Os termos adotados também foram diluídos, ainda que de modo francamente favorável a Kiev. O texto identifica a Rússia como agressora, reconhece o sofrimento da guerra e defende a integridade territorial da Ucrânia, listando então três prioridades para diálogo futuro.

Na área nuclear, considerar inadmissível o uso de armas atômicas no conflito e passar à ONU o controle da central de Zaporíjia, ocupada pelos russos. Sobre segurança alimentar, garantir a exportação de grãos ucranianos pelo mar Negro.

E no quesito humanitário, mais contencioso, pediu não só a troca de prisioneiros de guerra, mas o retorno de adultos e crianças deportados de áreas ocupadas —uma acusação que rendeu uma ordem de prisão a Putin por parte do Tribunal Penal Internacional (TPI).

Ao fim, o texto de 11 parágrafos acena ao russo. "Nós acreditamos que alcançar a paz requer envolvimento e o diálogo entre todas as partes. Assim, decidimos tomar passos concretos no futuro nas áreas acima mencionadas com maior engajamento com os representantes de todas as partes".

Segundo diplomatas, a Arábia Saudita se prontificou a sediar uma próxima reunião, mas tem insistido no convite a autoridades russas —Riad e Moscou alimentam boa relação, baseada em atuação conjunta no mercado de petróleo.

O tom geral, contudo, ficou aquém daquele que negociadores ucranianos desejavam. Zelenski não escondeu muito a decepção. Vide a economia de seu comentário ao fim do encontro, no qual preferiu celebrar o apoio que a conferência teve de 78 de seus participantes —2 das 6 organizações supraestatais também presentes assinaram o comunicado.

Após dizer que este é o primeiro passo para a paz, afirmou: "Espero que possamos alcançar resultados o mais rapidamente possível. Vamos provar a todos no mundo que a Carta da ONU pode ser restaurada".

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyden, foi na mesma linha. "Não foi uma negociação de paz porque Putin não é sério sobre acabar a guerra. Ele insiste na capitulação, na cessão de território ucraniano, mesmo aquele que hoje ele não ocupa", disse.

Ela se referia aos termos ditados pelo presidente na sexta (14), véspera do início da conferência. Putin afirmou que acabaria o conflito se Kiev adotasse neutralidade, se desarmasse e abrisse mão da quatro regiões que o Kremlin anexou ilegalmente em 2022.

Ao fim, a reunião serviu para consolidar posições de apoio à Ucrânia já conhecidas, restando saber se sua pretensão de levar o processo adiante envolvendo os russos tem alguma chance de prosperar.

China e Brasil, por exemplo, defendem uma reunião separada com as partes, talvez no âmbito do Conselho de Segurança da ONU. Em termos regionais, na América do Sul apoiaram o texto da conferência Argentina, Chile, Uruguai, Equador e Peru.

Neste domingo, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que a Rússia não rejeita conversas, mas quer tê-las dentro de um arcabouço de garantias sobre sua execução. Por ora, a Ucrânia se recusa a falar com os rivais —Zelenski até editou um decreto proibindo isso enquanto Putin, no poder desde 1999, for presidente da Rússia.

O chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba, tentou adotar um tom intermediário. "Claro que entendemos perfeitamente que chegará uma hora em que será necessário falar com a Rússia. Mas nossa posição é bem clara: não vamos deixar a Rússia falar na linguagem dos ultimatos, como tem feito", disse.

Sem grande avanço diplomático, a guerra segue seu rumo na Ucrânia. As Forças Armadas russas disseram neste domingo ter capturado uma cidade na região de Zaporíjia (sul), e houve bombardeios em diversas partes do país.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.