Descrição de chapéu guerra israel-hamas

Hamas faz civis e reféns de escudo e usa brutalidade em Gaza para manter controle

Posso ser morto por Israel a qualquer momento, mas também por aqueles que nos governam há 17 anos, diz palestino

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The New York Times

O ativista palestino Amin Abed, crítico ao Hamas, encontrou projéteis na porta de sua casa, no norte da Faixa de Gaza, duas vezes em junho.

Em julho, ele foi atacado por membros do grupo terrorista, que cobriram sua cabeça e o arrastaram pelo chão antes de bater nele com martelos e barras metálicas.

"Posso ser morto por Israel a qualquer momento. Mas posso enfrentar o mesmo destino nas mãos daqueles que nos governam há 17 anos", disse ele em uma entrevista por telefone realizada de seu leito hospitalar, referindo-se ao Hamas.

A imagem mostra um grupo de pessoas caminhando em direção a um edifício em ruínas, com escombros espalhados pelo chão. Algumas pessoas estão em cima dos destroços, enquanto outras se movem entre os restos de estruturas. O céu está limpo e azul, e há prédios ao fundo.
Palestinos buscam por sobreviventes em escombros de área a leste da Cidade de Gaza - Omar Al-Qatta - 12.set.2024/AFP

Abed, que continua internado, foi resgatado por transeuntes que testemunharam o ataque. Mas o que ocorreu com ele também acontece com outros palestinos em Gaza.

Uma grande parte da atenção internacional ao conflito no território tem se concentrado nos obstáculos que Israel impõe à distribuição de ajuda humanitária e nas operações militares que realiza na faixa, matando dezenas de milhares de pessoas e reduzindo cidades a escombros.

Mas a realidade da guerra, segundo autoridades dos Estados Unidos, é que não só o Exército israelense, como também o Hamas realiza atos questionáveis quase todo dia.

Esta reportagem é baseada em entrevistas com mais de 30 autoridades dos EUA e de Israel, membros do Hamas e moradores de Gaza. Muitos dos oficiais falaram sob condição de anonimato em razão da sensibilidade das informações discutidas. Muitos dos palestinos também o fizeram, mas por temer represálias.

Os palestinos são rápidos em criticar Israel pelas mortes e pela destruição de Gaza. No entanto, alguns deles disseram que o Hamas pôs os moradores da faixa na mira de Israel ao lançar ataques a partir de bairros densamente povoados, cavar túneis sob prédios residenciais e esconder reféns em centros urbanos.

Além disso, apesar do caos que tomou conta do território, o grupo terrorista ainda consegue inspirar medo entre os palestinos.

Colocando Civis na Linha de Fogo

É notoriamente difícil avaliar a opinião pública em Gaza. Mas palestinos entrevistados por esta reportagem expressaram frustração com o Hamas, especialmente por sua prática de se infiltrar em áreas ocupadas por civis.

Diversos pontos de acesso à extensa rede de túneis construída pela facção estão em residências. Uma foto aérea que o Exército israelense encontrou em um escritório do Hamas indica, com pontos e setas, cerca de 30 entradas escondidas em um bairro densamente povoado.

Para alguns palestinos, um ataque aéreo israelense que tinha como alvo Mohammed Deif — mentor do ataque do grupo a Israel que deu origem à guerra— realizado em 13 de julho é um exemplo dos perigos que os civis enfrentam na faixa.

Israel diz que Deif entrou em uma vila designada como uma zona humanitária por Tel Aviv para se encontrar com um comandante do Hamas escondido lá.

O Ministério de Saúde de Gaza, ligado aos terroristas, afirma que cerca de 70 palestinos morreram no bombardeio, incluindo mulheres e crianças.

Israel depois afirmou que a operação foi bem-sucedida e que Deif morreu, mas o Hamas contesta a informação.

Munir al-Jaghoub, membro do partido Fatah na Cisjordânia, criticou Israel pelas mortes. Mas também condenou o grupo terrorista. "Qualquer soldado que queira portar armas deve proteger civis, não se esconder entre eles", disse em uma entrevista televisionada.

O Hamas rejeitou as críticas de que o grupo pôs civis em perigo e as sugestões de que deveria manter seus combatentes longe de vilarejos e cidades.

"É impossível ficar fora de áreas residenciais de Gaza", disse Husam Badran, integrante do alto escalão do Hamas.

"Cale-o"

Palestinos críticos ao Hamas enfrentam risco de retaliação.

Neste sábado (7), o Sindicato dos Jornalistas Palestinos criticou a "política de intimidação e ameaça" que profissionais da imprensa enfrentam em Gaza depois que um grupo de homens armados invadiu a casa do repórter e ativista Ehab Fasfous.

Embora o sindicato não tenha mencionado o Hamas, não restavam dúvidas de que era o grupo que estava por trás da invasão à residência em Khan Yunis, no sul.

O jornalista é há tempos alvo do serviço de segurança do grupo, uma força policial secreta que tem vigiado palestinos comuns, de acordo com documentos do Hamas obtidos pela reportagem.

Semanas antes do início da guerra, o serviço recomendou tomar medidas para impedir Fasfous de atuar na imprensa. "Difame-o", dizia um arquivo de agosto de 2023 que chamava o jornalista de um dos "maiores inimigos" da facção.

Em entrevista ao The New York Times em maio, Fasfous disse que o Hamas abomina críticos. "Se você não está com eles, é um ateu, um infiel, um pecador", afirmou.

Ismail Thawabteh, diretor-geral do escritório de imprensa da administração de Gaza, controlada pelo Hamas, tentou distanciar o grupo das ameaças e da violência dirigidas a Fasfous e a Abed.

Ele sugeriu, sem mostrar evidências, que os dois tinham sido vítimas de crimes comuns que, segundo ele, se tornaram mais frequentes desde a invasão israelense. Disse ainda que o Ministério do Interior da faixa abriu investigações sobre ambos os incidentes.

Autoridades dos EUA e especialistas palestinos afirmam que o Hamas parece prestar atenção especial a jornalistas e ativistas que criticam seu regime nas redes sociais e em entrevistas à imprensa ocidental. Mas acrescentam que outros palestinos também foram ameaçados e intimidados.

No início deste ano, Alaa al-Haddad, 28, um ativista da Cidade de Gaza, começou a criticar o Hamas ao assistir ao noticiário ao lado de estranhos em um abrigo em Rafah. Segundo ele, pouco depois seu tio foi abordado por um membro do grupo terrorista que teria dito para fazer o sobrinho "se calar".

Embora autoridades do grupo terrorista minimizem as críticas à sua administração, eles também costumam argumentar que o sofrimento do povo palestino é o custo da luta contra a ocupação israelense sobre Gaza.

A facção reconhece que "a liberdade não vem de graça", diz Salah al-Din al-Awawdeh, membro do Hamas que conviveu com o atual dirigente da organização, Yahya Sinwar.

"Não existe nenhum movimento que tenha libertado seu povo sem pagar um preço alto em termos de civis", afirma.

"Foi Horrível"

O Hamas também esconde reféns entre civis palestinos.

No início de junho, Israel planejou uma missão para resgatar quatro dos reféns supostamente vivos em Gaza. Mas civis na área de Nuseirat, densamente povoada, dificultaram a operação.

Tel Aviv enviou veículos de resgate em 8 de junho. Quando um deles foi danificado, militantes do Hamas se aproximaram. Começou um tiroteio, e as tropas israelenses convocaram a Força Aérea do país, que bombardeou o bairro.

Os reféns foram resgatados. Mas mais de 270 palestinos morreram, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza. Não se sabe quantos dos mortos eram combatentes do Hamas e quantos eram civis.

Autoridades israelenses e americanas dizem que mensagens interceptadas por órgãos de inteligência indicam que líderes do Hamas ordenaram que os combatentes assassinem reféns caso haja indícios de que tropas de Israel estejam se aproximando para resgatá-los.

O porta-voz da ala militar do Hamas, Abu Obeida, disse algo parecido em um comunicado divulgado no início de setembro.

Oficiais de Israel declaram acreditar que foi isso que aconteceu em 29 ou 30 de agosto. De acordo com uma avaliação de inteligência de Tel Aviv, combatentes do Hamas que mantinham seis reféns nos túneis abaixo da área de Tel Sultan detectaram uma patrulha militar israelense acima deles, possivelmente por meio de informantes da facção ou de uma câmera.

Obedecendo às ordens de seus superiores, os terroristas executaram os prisioneiros e fugiram. Os soldados acima continuaram sua patrulha, sem saber que haviam chegado perto dos reféns —eles encontrariam e recuperariam seus corpos dias depois, informação tornada pública em 1º de setembro.

Segundo o Exército israelense, a entrada do túnel em que os reféns supostamente foram assassinados estava localizada em um quarto de criança.

Manter o Poder

Para acabar com o controle do Hamas sobre Gaza, autoridades israelenses dizem que precisam destruir não apenas seu poderio militar, mas também sua capacidade administrativa.

Críticos de Tel Aviv questionam essa estratégia, dizendo que ela prejudica os palestinos comuns.

De todo modo, quase um ano após o início da guerra, a gestão de Gaza pelo Hamas ainda funciona.

Thawabteh afirma que o regime ainda emprega milhares de pessoas, auxilia na distribuição de ajuda e organiza as orações nas sextas-feiras. Além disso, acrescenta, seus agentes de segurança continuam a tentar impor a lei.

"O governo em Gaza está vivendo um período de desafios", afirma ele. "Mas ainda está em funcionamento, cumprindo suas funções todos os dias."

Entidades que tentam entregar alívio humanitário a Gaza reconhecem a continuidade do controle do Hamas. Comboios de ajuda devem coordenar suas ações junto a líderes locais da facção, ou correm o risco de que os suprimentos não cheguem ao seu destino.

Esforços para que pessoas ligadas à Autoridade Palestina, baseada na Cisjordânia ocupada e internacionalmente reconhecida, ajudassem na coordenação de ajuda fracassaram. Autoridades dos EUA dizem que ameaças do Hamas a esses comboios paralisaram a iniciativa.

Várias cidades de Gaza foram saqueadas depois que as forças de Israel se retiraram. Segundo relatos, o Hamas tentou impedir esses saques, mas muitas vezes or meio de táticas brutais.

Em alguns casos, de acordo com autoridades dos EUA, pessoas acusadas pelo crime foram baleadas na perna. Já o Exército israelense afirma que, em um episódio em particular, um grupo de terroristas espancou pessoas suspeitas de roubar ajuda e escreveu a palavra "ladrão" nas costas de uma delas com spray, segundo o exército israelense.

Para alguns palestinos, esse tipo de justiça contribui para o clima de terror.

Abed, o palestino crítico ao Hamas espancado, foi atacado após denunciar o grupo nas redes sociais e na imprensa, incluindo no New York Times.

Ele acredita que os líderes da facção querem fazer dele um exemplo.

Nesta quarta (11), Abed deixou Gaza pela primeira vez em mais de 20 anos. Ele era um dos muitos doentes e feridos que Israel permitiu viajar para os Emirados Árabes Unidos para tratamento.

"Me sinto terrível por ter deixado minha família e meu povo para trás, mas, ao mesmo tempo, me sinto seguro pela primeira vez em 17 anos", disse em uma mensagem de voz de seu leito hospitalar em Abu Dhabi. "Não há ninguém que queira me matar, prender ou me seguir."

Julian E. Barnes , Adam Rasgon , Adam Goldman e Ronen Bergman
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