Veto a blindados de Israel é coisa ideológica, diz ministro da Defesa do Brasil

José Mucio, em impasse com Celso Amorim, afirma que compra de equipamentos não vai financiar ataques à Faixa de Gaza

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Brasília

O ministro da Defesa, José Mucio Monteiro, apresentou uma proposta ao presidente Lula (PT) para destravar a compra de obuseiros da empresa Elbit Systems, de Israel.

Segundo a proposta, em vez de comprar as 36 viaturas blindadas de obuseiro 155 mm —espécie de canhão de grande alcance e precisão—, como previsto na licitação, o Exército pegaria somente duas unidades do equipamento militar.

Se o produto-teste fosse aprovado, o Brasil poderia acionar uma cláusula para compra dos demais 34 obuseiros, com uma exigência: todo o armamento deveria ser produzido no Brasil.

O presidente Lula (PT) conversa com o ministro da Defesa, José Mucio Monteiro, e o comandante do Exército, general Tomás Paiva, durante cerimônia no Dia do Soldado - Pedro Ladeira/Folhapress

A transação envolveria duas empresas brasileiras (Ares Aeroespacial e AEL Sistema) e a promessa de criação de 400 empregos diretos. O aquecimento da indústria de defesa é uma das pautas defendidas por Lula.

A proposta de Mucio, porém, esbarrou em resistências de petistas e de Celso Amorim, assessor de Lula para assuntos internacionais.

"Com todo respeito, as pessoas que estão contra são por motivos políticos, ideológicos. Eu estou defendendo o Exército e que a gente tenha oportunidade de dotar o Exército Brasileiro de equipamentos mais modernos", disse o ministro da Defesa em entrevista à Folha.

Os opositores à compra argumentam que não é razoável o governo brasileiro adquirir equipamentos militares de um país cuja ação militar na Faixa de Gaza é criticada por Lula. Eles defendem que a compra dos obuseiros, por quase R$ 1 bilhão, poderia financiar os ataques de Israel aos palestinos.

"A gente está brigando com uma coisa simples, coisa boba. Não estamos fazendo uma compra gigantesca de Israel [...]. Precisava provar que foi o dinheiro dos obuseiros que financiou aquela guerra. Dois obuseiros não movimentam absolutamente nada", argumenta o ministro.

A assinatura do contrato foi adiada em maio por decisão de Lula, sem previsão de conclusão. O contexto era o avanço de operações de Tel Aviv na Faixa de Gaza.

Obuseiro atira munição em terreno vazio
Obuseiro da empresa israelense Elbit Systems foi o vencedor de licitação do Exército Brasileiro - Divulgação/Elbit Systems

Lula ouviu a proposta de Mucio e pediu mais tempo para decidir, segundo dois generais com conhecimento do assunto consultados pela Folha. A posição vencedora, por ora, é a capitaneada por Celso Amorim.

"Ele tem uma posição igual a minha: firme", disse Mucio ao comentar o impasse com Amorim. O ministro afirma cumprir seu papel de representar as Forças Armadas e diz que o conselheiro de Lula, por sua vez, o faz com foco na diplomacia.

"Eu não acho que isso seja um problema diplomático —a diplomacia está lá, nós ainda temos relações diplomáticas com Israel. Se o presidente [primeiro-ministro Netanyahu] foi desatencioso [ao declarar Lula como persona non grata], o presidente não representa todo mundo de lá. Eu estou admitindo que eu estou com a banda boa [de Israel]", afirmou.

Celso Amorim foi procurado pela reportagem, mas não se manifestou sobre este tema.

Nesta quarta-feira (18), o TCU (Tribunal de Contas da União) vai analisar uma consulta da Defesa sobre o assunto. A equipe de Mucio perguntou à corte se a legislação brasileira proíbe a participação em licitações de empresas que tenham sede em país que vive conflito armado.

A expectativa é de que a corte confirme não ter restrições para empresas nessa situação —o que, segundo integrantes da Defesa, poderia destravar resistências no Palácio do Planalto à compra dos obuseiros de Israel.

O Exército começou em 2017 a licitação para a compra de 36 novos obuseiros sob justificativa de modernizar esse tipo de equipamento para a artilharia da Força. Os obuseiros usados atualmente são, em grande parte, da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

A concorrência entrou na última fase há cerca de dois anos, e empresas de quatro países disputaram o contrato com o Exército (Israel, França, China e Eslováquia). A Elbit Systems, israelense, venceu pelos critérios técnicos e de menor preço.

Militares afirmaram à Folha, sob reserva, que os principais diferenciais seriam a empresa israelense possuir subsidiárias no Brasil, com capacidade de produção de munição e suporte logístico. O contrato teria cerca de oito anos de duração, com pagamentos e entregas dos equipamentos de forma espaçada.

Os obuseiros da Elbit Systems formam um projeto chamado Atmos. Diferente dos modelos antigos, o equipamento militar fica incluído em uma viatura blindada de oito rodas —o que permite movimentar a arma com mais facilidade e velocidade.

A previsão no Exército é substituir cerca de 300 obuseiros antigos pelos 36 novos de Israel. Com o revés no Palácio do Planalto, os chefes militares esperam uma solução acertada de Mucio e Amorim para finalizar a compra.

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