A propagação de notícias falsas já mostrou seu poder de influenciar eleições e dividir sociedades, potencializando preconceitos e ódios. Que efeito terá em crianças e jovens que não receberam uma formação para a leitura de notícias?
Sem entender o que se passa ao redor, as crianças não se sentem parte da sociedade. Elas ouvem, principalmente pela televisão, e leem na internet o que está circulando no momento. Percebem quando algo de grave ocorre, até porque podem viver em casa o problema estampado nas manchetes dos jornais, como o desemprego dos pais.
Já ouviram falar de "fake news", mas não sabem em quem confiar nem como identificar a credibilidade de uma informação.
As marcas de grandes veículos de comunicação não significam muito quando as crianças são questionadas a distinguir notícias falsas das reais. Os fatos que parecem absurdos, principalmente os vindos do universo da política, não as chocam. Diferenciar informação de opinião é difícil para elas.
Como muitos adultos também se mostram incapazes de detectar uma notícia falsa, as crianças acabam muitas vezes sem orientação. Ficam à margem do debate.
Encontra-se aí um grave problema: se elas não tiverem formação para ler notícias e não exercitarem o senso crítico para se protegerem de informações mentirosas, iremos perder uma geração inteira que poderia (e deveria) promover as mudanças que tanto queremos.
As crianças são curiosas por natureza e querem se informar. Além disso, têm o direito de acesso às mídias e de participação no debate público assegurado pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia-Geral da ONU em 1989 e assinada pelo Brasil em 1990.
Há mais de uma década edito periódicos destinados ao público infantojuvenil. Um deles é o jornal "Joca", que trata, quinzenalmente, dos principais assuntos da mídia em uma linguagem adequada aos jovens e às crianças.
A experiência mostra que, tendo acesso a notícias adequadas aos seus repertórios e contextualizadas, sentem-se parte da sociedade e tornam-se mais autônomas.
Em várias ocasiões, impressionei-me com o protagonismo dos leitores mirins. Crianças de uma região carente do interior de São Paulo, que leram os textos sobre a crise dos refugiados sírios no "Joca", organizaram um brechó com suas próprias roupas e entregaram o dinheiro a algumas famílias de refugiados que estão no Brasil.
Outras mobilizaram-se para organizar uma olimpíada, após terem lido sobre o problema da obesidade infantil no Brasil. Algumas explicaram o impeachment aos seus pais. Alunas também doaram seus cabelos para campanhas de crianças com câncer.
O problema das "fake news" é mais grave do que se imagina. Caso não seja combatido desde a base, teremos crianças e jovens deixando de ler ou descrentes até de veículos com credibilidade.
Isso os deixará paralisados, sem saber como agir e vulneráveis a toda espécie de manipulação.
Jovens e crianças bem informados entendem o que se passa ao redor, formam as próprias opiniões e se tornam cidadãos críticos e ativos. Lutam por seus direitos, cumprem seus deveres e têm as ferramentas necessárias para construir um futuro melhor para o nosso país.
Não há maneira de controlar o que nossos filhos leem ou veem o tempo todo, mas podemos incluí-los no debate, compartilhar e discutir notícias com eles, ensinando-os a buscar fontes confiáveis e a exercitarem o senso crítico.
Se perdermos essa geração para as "fake news", que líderes teremos e o que eles farão pelo Brasil daqui a 20 anos?
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.