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Vijay Rangarajan: Reino Unido na luta contra armas químicas

A tentativa descarada de assassinar Serguei Skripal em solo britânico se enquadra no padrão de comportamento ilegal vindo do Kremlin

Numa pequena cidade do Reino Unido conhecida por sua bela catedral, duas pessoas, um pai e a sua filha, foram atingidas por um agente neurotóxico —tendo sido esta a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial que este agente é utilizado de forma ofensiva na Europa.
 
Serguei e Yulia Skripal permanecem ainda muito doentes no hospital. Um agente da polícia que os ajudou também adoeceu. Outras 35 pessoas tiveram que receber tratamento médico, simplesmente por estarem próximas no momento em que essa substância foi liberada.

O que aconteceu em Salisbury em 4 de março foi uma tentativa descarada para assassinar civis em solo britânico, colocando em perigo qualquer pessoa —de qualquer nacionalidade— que se encontrasse nas proximidades. 

Se foi possível acontecer em Salisbury, um incidente desse tipo poderia ter ocorrido com qualquer pessoa, em qualquer lugar. Estima-se que hoje haja aproximadamente 200 mil brasileiros no Reino Unido, e tal ataque poderia ter atingido qualquer um deles.

Polícia interdita entorno de pub onde estava o ex-espião russo Serguei Skripal e sua filha antes de serem achados em um parque com sinais de envenenamento, em Salisbury
Polícia interdita entorno de pub onde estava o ex-espião russo Serguei Skripal e sua filha antes de serem achados em um parque com sinais de envenenamento, em Salisbury - Peter Nicholls - 19.mar.18/Reuters

Cientistas britânicos identificaram a substância usada contra os Skripals como um agente neurotóxico de classe militar russo, conhecido como “Novichok”.  Atualmente, apenas a Rússia combina um histórico de assassinatos patrocinados pelo Estado, um motivo explícito para atingir Serguei Skripal, e antecedentes na produção de “Novichok”.

Compartilhamos com muitos países, incluindo o Brasil, todas as evidências possíveis sobre a nossa avaliação do porquê e como chegamos à conclusão de que a Rússia é responsável pelo ataque.

Depois do episódio, o governo britânico deu ao Kremlin a oportunidade de explicar se parte dessa substância havia desaparecido. No entanto, a solicitação foi desdenhosamente ignorada, de modo que não foi deixada nenhuma escolha ao Reino Unido exceto concluir que o Estado russo é culpado pela tentativa de assassinato em uma cidade britânica, usando um agente letal proibido pela Convenção sobre Armas Químicas (CAQ).

Desde 1997, a CAQ tem sido parte vital das regras internacionais e do sistema multilateral. Seus maiores objetivos são: destruir todas as armas químicas existentes (o que é verificado pela Opaq, a Organização para a Proibição de Armas Químicas); prevenir o surgimento de novas armas químicas; e prover assistência e proteção aos Estados contra ameaças químicas. São membros 192 países, entre eles o Brasil.

Somos gratos pelas muitas expressões de apoio dos países comprometidos com o multilateralismo e a segurança internacional.

Seguimos nossas obrigações legais sob a CAQ. Como parte disso, convidamos uma equipe de especialistas técnicos da Opaq para ir à Inglaterra e coletar amostras, inclusive, diretamente das vítimas do ataque, para testá-las em laboratórios internacionais independentes e aprovados pela organização.

Esse é o próximo passo para garantir uma identificação independente e uma verificação da arma química que foi utilizada. Os resultados da análise são esperados em poucas semanas; quando prontos, serão apresentados pela Opaq aos Estados-membros. Então, será vital que países comprometidos com a paz e com as regras internacionais usem esse fórum para expressar claramente a sua repulsa a esse ato.

O incidente de Salisbury enquadra-se no padrão de comportamento ilegal do Kremlin. Desde 2014, a Rússia anexou a Crimeia; inflamou o conflito no leste da Ucrânia; apoiou um regime repressivo na Síria —que inclusive fez uso de armas químicas contra a própria população—; interceptou ilegalmente o Parlamento alemão e o governo dinamarquês; interferiu nas eleições europeias e procura distorcer a mídia para esconder suas ações.

Agora chegaram ao ponto de usar um agente neurotóxico proibido em solo europeu. Que, por pura sorte, não fez com que mais pessoas fossem  hospitalizadas; é óbvio que os autores desse ataque não se preocuparam com o número de inocentes que colocaram em perigo.

O Reino Unido reagiu expulsando 23 oficiais de inteligência não declarados da Embaixada da Rússia em Londres. Mas toda a comunidade internacional tem que se unir para defender as regras das quais depende a segurança de cada país. Se não o fizermos, a Rússia manterá o seu padrão de comportamento perigoso e destrutivo.

Nosso desentendimento não é com o povo russo, cujos feitos culturais e literários têm se destacado com brilhantismo ao longo dos séculos. Jamais esqueceremos a coragem demonstrada pela nação russa durante a Segunda Guerra Mundial nem a nossa aliança comum contra o nazismo.

Mas todos partilhamos da obrigação de fazer frente a qualquer ator que não respeite as leis, instituições e valores multilaterais.

Vijay Rangarajan

Mestre em matemática e doutor em astrofísica pela Universidade Cambridge, é embaixador do Reino Unido no Brasil

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