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Luiz Carlos Bresser-Pereira: O orgulho e a alegria de servir de Paulo Singer

Não era um homem ambicioso, não buscava o poder, o prestígio ou o dinheiro. Buscava valores, a verdade e a justiça

Paulo Singer, como ele gostava de ser chamado, foi um amigo do qual me lembrarei sempre pelas altas qualidades morais e por uma certa doçura na relação que mantinha com todos. Não era um homem ambicioso, não buscava o poder, o prestígio ou o dinheiro. Buscava valores, a verdade e a justiça.

Eu o conheci no início dos anos 1960, na Faculdade de Economia e Administração da USP, onde eu começava meu curso de doutoramento. Ficamos amigos no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), depois que, com o Ato Institucional nº 5, de 1968, ele foi aposentado pelo regime militar.
Paulo foi um dos membros da minha banca de livre-docência em economia na USP.

Na busca da verdade, foi um pesquisador incansável, que procurou entender a economia e a sociedade brasileira, a dinâmica do seu crescimento, a perversidade de sua desigualdade. Para tanto, ele se valia do marxismo e, portanto, de uma perspectiva histórica sobre o desenvolvimento capitalista.

Para fazer a crítica da desigualdade, realizou pesquisas em profundidade, nas quais relacionou a distribuição de renda com a estrutura de classes do país.

Na visão dele, as explicações econômicas para a desigualdade eram secundárias. O essencial era a natureza do desenvolvimento capitalista. Conforme observava, "o motor do desenvolvimento é a acumulação de capital e esta depende não só, mas sobretudo, da taxa de exploração, ou seja, da repartição do produto entre o necessário e o excedente".

Na análise da economia brasileira, contribuiu com diversos livros, desde "Dinâmica Populacional e Desenvolvimento" (1970), onde há uma visão ampla do desenvolvimento econômico do Brasil, até "A Crise do 'Milagre'" (1975) e "O Dia da Lagarta" (1987), nos quais faz uma crítica do regime militar.

No primeiro livro há um notável ensaio de 1973, "As contradições do 'milagre'", no qual ele prevê a crise que começaria no ano seguinte. 

Paulo Singer realizou, também, um amplo conjunto de pesquisas sobre a urbanização, tendo São Paulo como foco. "Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana" (1968) é um livro clássico sobre esse tema; em "Economia Política da Urbanização" (1973), ele discute as relações entre as migrações internas, o desenvolvimento e a urbanização.

Também escreveu livros teóricos sobre economia --o mais importante deles foi "Economia Política do Trabalho" (1977).

Na busca da justiça, Paulo Singer foi socialista. Um socialismo utópico e profundamente democrático, apoiado em uma visão realista da natureza humana.

O homem não é intrinsecamente individualista, como propõe o liberalismo, mas combina sua necessidade de sobrevivência com sua necessidade de solidariedade.

Sobre esse tema, ele escreveu um pequeno livro, "O Que é o Socialismo Hoje" (1980), no qual nos oferece o seu conceito: "O socialismo em nossa época tende a ser mais exigente, dando menos ênfase à ampliação do consumo material do que à democratização nos processos de decisão no plano econômico e social, e, de uma forma geral, à redução do autoritarismo em todos os aspectos da vida, desde a família, a escola e a empresa até as grandes instituições nacionais como os partidos políticos, os sindicatos, e as Forças Armadas."

Um dos fundadores do PT, Paulo Singer foi um militante da justiça que ele identificou com a economia solidária. Além de um pesquisador e de um intelectual público, foi um servidor que dirigiu a Secretaria Nacional de Economia Solidária nos governos Lula e Dilma.

Realizou esse trabalho com dedicação e modéstia, sem se impor a ninguém. Mas, conforme disse seu filho, André, no discurso em homenagem a seu pai —que morreu na última segunda-feira (16)—, realizou esse trabalho "com imenso orgulho e alegria" —orgulho e alegria de poder servir.

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC)

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