Buenos Aires se refez ao renovar Puerto Madero, região abandonada havia mais de cem anos. Paris foi posta abaixo, virando um enorme canteiro de obras por 20 anos, fazendo a glória do prefeito Haussmann (1809-1891) e da Cidade Luz!
Foram processos diferentes e distantes do que me atrevo a formular, mas ilustram que cidades são organismos vivos, e chega um momento em que é "aquele" para iniciar uma ação ousada de transformação. São Paulo pode e, entendo, deve ser repensada amplamente. Não será algo terminado em poucos anos, mas apontará, como o fizeram seus dois últimos Planos Diretores, para uma cidade humana e do século 21.
O incêndio e o desabamento no largo do Paissandu revelam mais do que a falta de moradia digna e a especulação imobiliária no centro da capital. É uma falência maior, e exige uma resposta que pode ser legado do jovem prefeito.
Diferentemente de quem critica, considero importante uma força-tarefa da prefeitura para vistoriar 70 prédios invadidos na cidade. Não é uma situação fácil de administrar, pois a maioria das famílias se nega, por motivos variados, a ir para os abrigos da prefeitura. Porém, o poder público não pode mais se omitir.
Isso não é abonar a ideia de culpar vítimas e colocá-las para fora. É tornar mais seguro e humano o espaço, enquanto se tomam providências.
Não é justo transferir todas as responsabilidades para os mais vulneráveis, e o bolsa-aluguel de R$ 400 não aluga nada no centro. É o mesmo que encaminhar as pessoas para novas invasões (aliás, esse é o custo que os "coordenadores" de invasão cobram).
A cidade é de todos e tem de ser pensada que, quanto maior for o mix de classes, pessoas de diferentes tribos e ofertas, mais dinâmica, interessante e segura ela se tornará. No mundo, todo centro frequentado é mais seguro.
Embora pouco cuidado e perigoso, nosso centro é onde o cidadão ainda consegue trabalho, seja ou não informal, pois transitam milhares de pessoas num ambiente pulsante.
Tenho visitado locais que aguardam regularização fundiária: não têm água, esgoto, luz nem escola. Demoram-se duas horas para chegar a um trabalho. Nesses cenários, entende-se bem por que as pessoas preferem viver mal e correndo riscos no centro do que morar nas franjas da cidade, longe de tudo.
Como reverter? Como diz o urbanista Nabil Bonduki, relator do Plano Diretor, em artigo nesta Folha, os governos já têm "um arsenal de instrumentos" legais para viabilizar a habitação social no centro, mas, de fato, as últimas gestões não enfrentaram esse problema.
São necessárias a efetiva descentralização de gestão e a participação popular, além de ideias como a do retrofit (reabilitar edifícios subutilizados para novos usos); o capital privado reformar prédios e a prefeitura repassar diretamente aluguel social.
O Campos Elíseos Vivo, como apresenta Raquel Rolnik, une ações de urbanismo, serviço social, cultura e saúde, utilizando terrenos e imóveis vazios; é um exemplo possível.
Jorge Wilheim (1928-2014), na elaboração do Plano Diretor (2002), e a nossa gestão (2001-2004), em relação à zona leste, propusemos soluções que passam pela criação de emprego: planejar qualificação, oportunidades e diminuir a necessidade de mobilidade para o centro.
O cidadão tem de encontrar o que precisa mais próximo de si. E deve ser escutado. Se não é possível habitação a todos no centro, vamos tornar a periferia mais atraente: a posse do terreno, a possibilidade de empregos pensados e planejados pelo poder público, postos de saúde, escolas e creches adequadas, a utilização da internet para melhorar a produtividade e a qualidade de vida.
É possível!
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