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Paulo Nassar

A liberdade de imprensa em perigo

Tema ainda não entrou na pauta eleitoral do Brasil

Edição do jornal The Boston Globe com editorial em defesa da liberdade de imprensa, em 16 de agosto
Edição do jornal The Boston Globe com editorial em defesa da liberdade de imprensa, em 16 de agosto - Brian Snyder - 16.ago.18/Reuters

A imprensa é ou não é inimiga do povo?

Não, afirmam cerca de 400 jornais norte-americanos, entre eles o The New York Times, que se integraram ao movimento inédito inspirado pelo The Boston Globe e começaram a publicar editoriais em defesa da liberdade de imprensa.

Sim, argumenta o presidente norte-americano, Donald Trump, que acusa a imprensa dos EUA de produzir fake news sobre seu governo, mesmo quando publicam notícias baseadas em fatos.

Das duas visões, qual é a melhor para a sociedade? Liberdade de imprensa é essencial para a própria liberdade, como afirmaram Thomas Jefferson e John Adams, pais fundadores da América. Sem imprensa livre, não há democracia. A imprensa é essencial para a liberdade: de associação, partidária, ideológica, de costumes, dentre outras. Tanto que o primeiro alvo dos ditadores ou regimes totalitários é a imprensa.

Fosse diferente, o prestigioso The Guardian não escreveria: “A liberdade de imprensa no mundo está mais ameaçada do que nunca”.

Pesquisa da ONG britânica Liberdade de Expressão atesta: ao analisar o ambiente global, em 172 países, entre 2000 e 2006, constatou que 250 jornalistas foram presos e 79 assassinados. Os focos principais de preocupações foram as guerras das drogas nas Filipinas e no México, além de perseguições aos adversários do governo na Turquia.

A situação não mudou. “Nada parece deter o retrocesso nas democracias e países considerados como 'virtuosos'", afirma o relatório anual da ONG Repórteres sem Fronteiras, ao se referir a países antes muito bem avaliados, como os EUA, que retrocederam para a 45ª posição. Na lista, liderada pela Noruega e encerrada pela Coreia do Norte, 72 países se encontram em situação "difícil" ou "muito grave", como China e Cuba, onde a morte de Fidel Castro, "um dos piores depredadores da liberdade de imprensa no mundo", não alterou o "monopólio do Estado sobre a informação".

Neste grupo em situação "difícil" se destacam ainda Rússia, México, Honduras, Venezuela, Colômbia, Guatemala, Paraguai e Nicarágua. O México é o país mais perigoso, depois de Síria e Afeganistão.

No Brasil, onde a liberdade de imprensa é assegurada pela Constituição, é preciso alertar a sociedade que o tema ainda não entrou na pauta dos candidatos à Presidência da República, na eleição de outubro. Quanto às fake news de que Trump tanto reclama, cedo ou tarde, terminarão por enredá-lo e a todos aqueles que as utilizam.  Pois o que o presidente norte-americano precisa é despertar confiança, não estar no centro de polêmicas.  Estas só desgastam sua imagem e reputação.

É neste ambiente histórico e social que os jornais e as revistas, em suas plataformas tradicionais ou digitais, se mostram cada dia mais importantes.  Isso porque seus rituais de produção, circulação e de consumo de notícia —criados e testados nos últimos 300 anos— são paradigmáticos na defesa da credibilidade do fazer jornalístico. Por exemplo: na verdadeira instituição jornalística zelam-se os processos de produção, dos pontos de vista da ética, da técnica e da estética. 

Persiste no cotidiano das redações o hábito de partilhar com os colegas o que deve ou não ser publicado, em lugar da solidão das produções e decisões de influenciadores, blogueiros e gestores de robôs e hackers, sem histórias e responsabilidades institucionais.

Também há o comportamento ritual, igualmente fundamental, de checar a veracidade das informações. E por fim, existe o culto aos fatos, o que, por si só, é um poderoso antídoto contra as fake news. O movimento dos jornais americanos pela liberdade de expressão certamente já repercute em todo o mundo. Espera-se que seja o estopim do resgate dos rituais e da valorização das organizações de imprensa. Não apenas por causa de Trump, ditadores e autocratas e suas deploráveis fake news.  Mas pelos imperativos da consolidação da liberdade e da democracia.

Paulo Nassar

Diretor-presidente da Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial) e professor titular da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP)

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