A imprensa é ou não é inimiga do povo?
Não, afirmam cerca de 400 jornais norte-americanos, entre eles o The New York Times, que se integraram ao movimento inédito inspirado pelo The Boston Globe e começaram a publicar editoriais em defesa da liberdade de imprensa.
Sim, argumenta o presidente norte-americano, Donald Trump, que acusa a imprensa dos EUA de produzir fake news sobre seu governo, mesmo quando publicam notícias baseadas em fatos.
Das duas visões, qual é a melhor para a sociedade? Liberdade de imprensa é essencial para a própria liberdade, como afirmaram Thomas Jefferson e John Adams, pais fundadores da América. Sem imprensa livre, não há democracia. A imprensa é essencial para a liberdade: de associação, partidária, ideológica, de costumes, dentre outras. Tanto que o primeiro alvo dos ditadores ou regimes totalitários é a imprensa.
Fosse diferente, o prestigioso The Guardian não escreveria: “A liberdade de imprensa no mundo está mais ameaçada do que nunca”.
Pesquisa da ONG britânica Liberdade de Expressão atesta: ao analisar o ambiente global, em 172 países, entre 2000 e 2006, constatou que 250 jornalistas foram presos e 79 assassinados. Os focos principais de preocupações foram as guerras das drogas nas Filipinas e no México, além de perseguições aos adversários do governo na Turquia.
A situação não mudou. “Nada parece deter o retrocesso nas democracias e países considerados como 'virtuosos'", afirma o relatório anual da ONG Repórteres sem Fronteiras, ao se referir a países antes muito bem avaliados, como os EUA, que retrocederam para a 45ª posição. Na lista, liderada pela Noruega e encerrada pela Coreia do Norte, 72 países se encontram em situação "difícil" ou "muito grave", como China e Cuba, onde a morte de Fidel Castro, "um dos piores depredadores da liberdade de imprensa no mundo", não alterou o "monopólio do Estado sobre a informação".
Neste grupo em situação "difícil" se destacam ainda Rússia, México, Honduras, Venezuela, Colômbia, Guatemala, Paraguai e Nicarágua. O México é o país mais perigoso, depois de Síria e Afeganistão.
No Brasil, onde a liberdade de imprensa é assegurada pela Constituição, é preciso alertar a sociedade que o tema ainda não entrou na pauta dos candidatos à Presidência da República, na eleição de outubro. Quanto às fake news de que Trump tanto reclama, cedo ou tarde, terminarão por enredá-lo e a todos aqueles que as utilizam. Pois o que o presidente norte-americano precisa é despertar confiança, não estar no centro de polêmicas. Estas só desgastam sua imagem e reputação.
É neste ambiente histórico e social que os jornais e as revistas, em suas plataformas tradicionais ou digitais, se mostram cada dia mais importantes. Isso porque seus rituais de produção, circulação e de consumo de notícia —criados e testados nos últimos 300 anos— são paradigmáticos na defesa da credibilidade do fazer jornalístico. Por exemplo: na verdadeira instituição jornalística zelam-se os processos de produção, dos pontos de vista da ética, da técnica e da estética.
Persiste no cotidiano das redações o hábito de partilhar com os colegas o que deve ou não ser publicado, em lugar da solidão das produções e decisões de influenciadores, blogueiros e gestores de robôs e hackers, sem histórias e responsabilidades institucionais.
Também há o comportamento ritual, igualmente fundamental, de checar a veracidade das informações. E por fim, existe o culto aos fatos, o que, por si só, é um poderoso antídoto contra as fake news. O movimento dos jornais americanos pela liberdade de expressão certamente já repercute em todo o mundo. Espera-se que seja o estopim do resgate dos rituais e da valorização das organizações de imprensa. Não apenas por causa de Trump, ditadores e autocratas e suas deploráveis fake news. Mas pelos imperativos da consolidação da liberdade e da democracia.
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