Descrição de chapéu

Nicarágua silenciada

Não se pode mais ter dúvidas do que pretende o regime: perpetuar-se a qualquer custo

Nicaraguense segura cartaz com os retratos dos jornalistas Miguel Mora (no alto) e Lucía Pineda
Nicaraguense segura cartaz com os retratos dos jornalistas Miguel Mora (no alto) e Lucía Pineda - Ezequiel Becerra/AFP

Governos convertidos em ditaduras costumam seguir um roteiro de medidas repressivas, no qual invariavelmente a imprensa livre é incluída como alvo. Nesta etapa do processo encontra-se a Nicarágua sob o mando de Daniel Ortega.

Nos últimos dias, intensificou-se o cerco aos poucos veículos de comunicação que ainda faziam uma cobertura independente dos protestos contra o regime, iniciados em abril. Está em marcha um claro movimento para silenciar por completo as vozes críticas.

No mais recente ataque à liberdade de expressão, a Justiça determinou a prisão preventiva da jornalista Lucía Pineda, diretora de imprensa do canal de TV 100% Noticias, e do diretor e proprietário da emissora, Miguel Mora.

Ambos são acusados de conspiração para cometer atos terroristas, não por acaso o mesmo expediente empregado no intuito de criminalizar as manifestações de rua.

Em ação quase simultânea, o órgão estatal que regula o setor de telecomunicações cassou a licença do 100% Noticias, que manteve sua transmissão nas redes sociais.

Dias antes, policiais invadiram por duas noites seguidas a sede do jornal El Confidencial —cujo dono, Carlos Chamorro, é filho da ex-presidente Violeta Chamorro (1990-1997) e um dos principais opositores de Ortega. De lá levaram documentos, computadores e outros equipamentos de trabalho. Os profissionais foram impedidos de voltar ao prédio.

O acosso à mídia se soma a várias outras violações da ordem democrática, como o uso do Poder Judiciário para barrar a participação política de adversários e a própria repressão dos atos antigoverno, que deixou mais de 300 mortos.

Há quatro meses, quando esta Folha passou a chamar Daniel Ortega de ditador, organismos multilaterais ainda vislumbravam uma chance de criar um canal de diálogo entre governo e oposição.

A expulsão de missões da Organização dos Estados Americanos (OEA) que monitoravam a crise institucional nicaraguense parece ter sepultado tal esperança.

Não se pode mais ter dúvidas do que pretende o regime: perpetuar-se a qualquer custo, de preferência sem o jornalismo crítico a denunciar essa empreitada.

editoriais@grupofolha.com.br

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