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Oded Grajew

Comissões de Constituição e Justiça: para quê?

Grupos se põem a serviço do poder econômico

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Oded Grajew durante debate realizado no auditório da Folha, no centro paulistano, em setembro do ano passado
Oded Grajew durante debate realizado no auditório da Folha, no centro paulistano, em setembro do ano passado - Reinaldo Canato - 4.set.18/Folhapress

As Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJs) fazem parte das câmaras municipais, das assembleias legislativas, da Câmara e do Senado. Tais comissões permanentes têm a competência de apreciar todos os projetos que tramitam no Legislativo antes que sejam votados em plenário. Elas avaliam os aspectos constitucional, legal e jurídico das proposições, tendo o poder de dar prosseguimento ou barrar a tramitação de qualquer projeto. 

Nossa Constituição, no capítulo dos princípios fundamentais, proclama que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. 

Vejamos em que situação estamos. Temos a nona economia do mundo e somos o nono país mais desigual. Pelo retrato das desigualdades brasileiras publicado pela Oxfam Brasil, o 1% mais ricos recebe mais de 25% de toda a renda nacional e os 5% mais ricos abocanham o mesmo que os demais 95%. 

A desigualdade de riqueza é ainda maior: 0,1% mais rico concentra 48% de toda a riqueza nacional e os 10% mais ricos ficam com 74%. As mulheres ganham, em média, 62% do que ganham os homens, e negros ganham, em média, 57% do que ganham os brancos. A cobertura de acesso à água alcança 94% e de esgoto, 80% para os 5% mais ricos, mas cai para 62% e 25% para os 5% mais pobres. 

O Mapa da Desigualdade de São Paulo, elaborado pela rede Nossa São Paulo, mostra as enormes desigualdades entre os 96 distritos da cidade. As diferenças de indicadores sociais e econômicos entre eles podem chegar a milhares de vezes. Um dado impressionante é o de 23 anos da idade média ao morrer entre o distrito mais pobre e o mais rico. Esse panorama não deve ser muito diferente na maioria das cidades brasileiras. 

Todas essas desigualdades foram construídas ao longo do tempo por políticas públicas, por leis cujos projetos passaram pelas CCJs. Como exemplo podemos citar o sistema fiscal e tributário, em que os 10% mais pobres gastam 32% de sua renda em tributos e os 10% mais ricos, só 21%. 

Claramente as CCJs não estão cumprindo seu papel e se põem, na maioria das vezes, a serviço do poder econômico que assegura a eleição dos seus integrantes, e não garantindo que os projetos apreciados ajudem a reduzir as desigualdades. 

Se fossem levar a sério sua missão, cada uma dessas comissões deveria constituir um órgão técnico independente que daria seu parecer, após audiências públicas, se os projetos apresentados ajudam a reduzir as desigualdades. O Congresso poderia, por exemplo, escalar o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) para essa tarefa. O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, deveria recomendar essas medidas. 

As desigualdades estão na raiz de todos os nossos problemas. Sem tomar iniciativas concretas no sentido de reduzi-las drasticamente, continuaremos a nos enganar com promessas de um país decente. Infelizmente essa ficha ainda não caiu para a maioria de nossos dirigentes, elites, formadores de opinião e políticos. Enquanto isso não acontecer, continuaremos a conviver com nossos vergonhosos indicadores sociais, econômicos e ambientais.

Oded Grajew

Idealizador do Fórum Social Mundial, é presidente emérito do Instituto Ethos e conselheiro do programa Cidades Sustentáveis e da Rede Nossa São Paulo

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