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Justiça e circo

Não se justifica a ação espetaculosa que resultou na prisão preventiva de Temer

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O ex-presidente Michel Temer na Polícia Federal, no Rio
O ex-presidente Michel Temer na Polícia Federal, no Rio - Ricardo Moraes/Reuters
 

São consideráveis as evidências apresentadas pelo Ministério Público Federal de que o ex-presidente Michel Temer (MDB) esteve à frente, durante anos, de esquemas envolvidos em atos de corrupção e lavagem de dinheiro.

Os indícios foram repisados pelo juiz Marcelo Bretas, da força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro, ao acatar o pedido de prisão preventiva do emedebista, de seu ex-ministro Moreira Franco e de outros suspeitos de participação em desvios —entre os quais o coronel João Baptista de Lima Filho, amigo de longa data do ex-mandatário. 

No centro das investigações está a empresa Argeplan Arquitetura e Engenharia, que foi contratada em licitação para trabalhar na construção da usina nuclear Angra 3. A concorrência ocorreu em 2012, quando Temer era vice-presidente da República.

Além de não apresentar requisitos técnicos para a obra, a Argeplan nada teria feito —apenas recebeu e desviou recursos públicos. 

Procuradores presumem que o coronel Lima, dono formal da empresa e alvo de três inquéritos, servia de testa de ferro para Temer, tratando-se de um operador para a obtenção de vantagens ilícitas.

A firma foi a mesma que participou de uma reforma da casa de Maristela Temer, filha do ex-presidente, e fez pagamentos em espécie para fornecedores. 

Se os sinais de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro parecem convincentes, a decisão de Bretas é duvidosa no que tange aos motivos que embasam a prisão preventiva

Em sua argumentação, o juiz cita o “risco efetivo” de que os suspeitos continuassem a atuar na ilegalidade e tentassem ocultar provas para dificultar o trabalho da polícia e da Justiça —o que já teria ocorrido. Além dos advogados de defesa, especialistas acreditam que tais atos não tenham sido demonstrados com clareza.

As prisões também deixaram margem para interpretações políticas, em razão da proximidade com os reveses sofridos pela Lava Jato no Supremo Tribunal Federal.

De fato, a decisão de Bretas parece repetir as práticas mais questionáveis da operação, como usar prisões preventivas para antecipar penas e eventualmente forçar colaborações premiadas.

Também não se justifica o aparato policial cinematográfico mobilizado para efetuar as detenções —um espetáculo intimidatório em tudo desnecessário, montado para amplificar a repercussão do caso. 

Não se discute que a Lava Jato seja responsável por uma bem-vinda mudança de padrão no tratamento dos crimes de colarinho de branco e da corrupção de agentes públicos, tradicionalmente negligenciados em benefício da impunidade.

É preciso, contudo, conter os excessos e impedir que se cruzem as fronteiras da legalidade —como já ocorreu em outras situações, caso do famigerado vazamento de uma conversa envolvendo a então presidente Dilma Rousseff (PT). 

Se o destemor diante de poderosos é elogiável, preocupa, por outro lado, o furor punitivista e messiânico da força-tarefa, que tem contribuído para acirrar conflitos políticos e institucionais.

editoriais@grupofolha.com.br

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