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Irmã Petra Pfaller

A privatização dos presídios é uma saída para a crise carcerária? NÃO

Aprofundamento da barbárie

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Instalações do complexo penitenciário de Ribeirão das Neves (MG), o primeiro presídio privado do país - Divulgação
Irmã Petra Pfaller

É impossível sair de uma prisão sem carregar a triste certeza de que os presos, em qualquer unidade do país, enfrentam uma situação de tortura sistemática.

Em celas superlotadas, por entre ratos e baratas, com falta de saneamento básico, comida azeda e um cotidiano de extrema violência, vivem hoje mais de 720 mil pessoas, alçando o Brasil à posição de terceiro país que mais encarcera no mundo.

A situação dos presídios, caracterizada pelo Supremo como "estado de coisas inconstitucional", deixa claro que o Estado brasileiro fez uma opção reiterada pela barbárie. E esse processo não se resolve por falsas soluções como a privatização.

Vale considerar que foi no solo de um presídio privatizado que assistimos a um dos massacres de 2017: no Compaj, no Amazonas, complexo gerido pela Umanizzare, foram registradas ao menos 56 mortes. E mais: entre 2013 e 2014, o complexo de Pedrinhas, no Maranhão, com a maior parte dos serviços privatizados, listou mais de 60 mortes. A unidade é conhecida internacionalmente por suas condições degradantes.

Mesmo com esse cenário, São Paulo e Rio de Janeiro anunciaram, no início do ano, a intenção de transferir a gestão de presídios a empresas. O governador paulista, João Doria (PDSB), toma os Estados Unidos como modelo.

No entanto, o exemplo norte-americano conta com episódios como o Departamento de Justiça informando, em 2016, que presídios federais privatizados não representaram redução de custos e registraram mais casos de agressões, contrabandos e rebeliões, além de um escândalo no qual a maior empresa do setor no país, a Corrections Corporation of America, admitiu a falsificação de documentos enviados ao governo sobre a gestão de unidades no estado de Idaho.

Fica a lição: a aposta no encarceramento em massa, por meio de prisões públicas ou privadas, é resposta que deve ser descartada.

Na mesma linha, analisando o complexo de Ribeirão das Neves (MG), presídio-modelo da privatização no Brasil, a convicção se mantém. 

Ao garantir o preenchimento de 90% das vagas das unidades --ou o seu pagamento, se não ocupadas-- até o término dos 27 anos de duração do contrato, o governo mineiro engessou sua política criminal. E se o estado gastava em média R$ 1.800 mensais por preso nas penitenciárias comuns, em Ribeirão das Neves acordou o pagamento de R$ 2.700 mensais à GPA, consórcio que administra esses presídios.

Os gastos maiores não significam melhor qualificação dos funcionários: salários menores, curto tempo de formação e alta rotatividade são marcas da forma de contratação nas unidades privadas. Ou seja, a privatização mantém a lógica do encarceramento em massa e das violações de direitos a um custo maior para a sociedade.

Ainda em 2015, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) posicionou-se de forma contundente: "A ineficiência do sistema prisional não pode levar à privatização. O ser humano jamais pode ter sua dignidade aviltada, pois lucro e pena não combinam". Diante da falência do sistema prisional, a Pastoral Carcerária e parceiros lançaram a Agenda pelo Desencarceramento, documento que traz propostas concretas para o problema.

A diminuição significativa da população carcerária, a exemplo do que EUA e outros países vêm fazendo, mostra-se como único caminho. Qualquer esforço que aponte para outra direção --como a privatização-- cairá, inevitavelmente, no aprofundamento da barbárie.

Irmã Petra Pfaller

Coordenadora nacional da Pastoral Carcerária

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