Em 1947, os EUA inauguraram a Doutrina Truman, nomeada em homenagem ao presidente de turno e que buscava ganhar aliados contra a expansiva União Soviética do pós-guerra. Os alvos iniciais eram Grécia e Turquia, países em crise política aguda que poderiam debandar para o bloco comunista.
Setenta e dois anos depois, um impasse ameaça jogar Ancara no colo de Moscou —algo um tanto inusitado, dado o histórico de rivalidade entre os dois países.
Decisões de Washington vinham deixando os turcos ressabiados quanto às intenções do Ocidente —do qual fazem parte apenas militarmente, como membros da Otan.
O apoio a seus rivais curdos na guerra civil síria e o abrigo a um clérigo acusado de tramar o golpe contra o presidente Recep Tayyip Erdogan em 2016 fizeram o país voltar-se para Vladimir Putin.
O presidente russo, que tivera um caça seu abatido pela Turquia no começo de sua intervenção na Síria, em 2015, cobrou caro. Negócios energéticos evoluíram para a compra de um poderoso sistema de defesa antiaérea, o S-400.
Isso é inaceitável para os EUA. A Turquia é sócia desde 2002 do programa do caça americano F-35, produzindo 7% de suas peças.
O Pentágono argumenta que o S-400 pode ser alimentado com dados do F-35 e estabelecer exatamente o quão invisível a aeronave é para os radares —seu principal apelo de venda. E esses dados, sustenta o governo de Donald Trump, podem acabar na Rússia.
Por embaraçosa que se mostre a desconfiança em relação aos procedimentos de um aliado, Washington tem razão para temores. Erdogan é um autocrata da escola de Putin —e firmou aliança com o russo para lidar com o vácuo decisório americano na Síria.
Assim, os EUA determinaram a exclusão da Turquia do programa do F-35, no qual o país islâmico já havia investido US$ 1 bilhão, e vetaram a entrega de 30 unidades já encomendadas por Ancara. Providência compreensível e até lógica, mas temerária para os desígnios ocidentais no Oriente Médio.
Único país da região na Otan, a Turquia serve de contrapeso na disputa entre Irã e Arábia Saudita e, apesar do personalismo antidemocrático de Erdogan, é anteparo à proliferação de extremismos.
Trump culpa antecessores pelo imbróglio, visando romper o elo entre o déspota turco e o Kremlin. Isso parece improvável, e uma lei prevê que os EUA apliquem sanções pelo negócio com os russos. É tudo o que Putin pode desejar.
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