Fez o certo o Supremo Tribunal Federal ao manter, em julgamento unânime na quinta-feira (1º), a tarefa de demarcar terras indígenas sob a guarida da Funai.
A transferência da atribuição para o Ministério da Agricultura, reduto de interesses ruralistas, constava da reestruturação administrativa promovida pelo governo federal em janeiro. Em maio, contudo, ao analisar a medida provisória que promovia as alterações na Esplanada, o Congresso devolveu a função ao órgão de origem.
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) não se deu por vencido e, no mês seguinte, editou nova MP a fim de restabelecer sua determinação.
Dias depois, a iniciativa acabaria suspensa de forma liminar pelo ministro Luís Roberto Barroso, por ferir o artigo 62 da Constituição —que veda ao mandatário o poder de reeditar, na mesma legislatura, medida provisória que tenha sido rejeitada pelo Congresso.
Por unanimidade, o plenário do STF referendou a decisão de Barroso, freando o ímpeto presidencial e reafirmando que a última palavra em matéria de leis cabe necessariamente ao Congresso.
Embora o desfecho seja positivo por mostrar o sistema democrático de freios e contrapesos em ação, seus efeitos concretos tendem a ser modestos, se não nulos.
Bolsonaro, afinal, tem reiterado desde a eleição o intento de não homologar novos territórios para os povos indígenas —e isso independe de qual repartição pública vai cuidar do assunto.
Na Funai há, decerto, uma burocracia mais familiarizada com a questão e disposta a dar andamento às etapas intermediárias dos processos. A caneta presidencial, todavia, é decisiva.
O problema não começou agora. O ritmo de demarcações vem caindo desde o governo Dilma Rousseff (PT), que em cinco anos autorizou 21 novas áreas, e despencou com Michel Temer (MDB), que deu aval a apenas uma.
Hoje, 230 terras indígenas aguardam definição do poder público. Desse total, 117 encontram-se em diferentes fases do rito demarcatório —74 delas necessitam apenas da homologação presidencial. Outros 113 casos esperam análise e parecer da Funai.
Alguns desses processos arrastam-se há décadas, expondo um dos grupos mais vulneráveis do país à violência oriunda das pressões da grilagem e do garimpo ilegal.
Cumpre lembrar que a Constituição, em seu artigo 231, garante aos índios o direito originário a territórios tradicionalmente ocupados. Esse ordenamento é que deveria pautar a política pública.
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