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Antonio Ruiz Filho

Respeito à lei acima de tudo e de todos

Decisão do ministro Toffoli não impede investigações criminais

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O advogado criminalista Antonio Ruiz Filho - Reinaldo Canato - 22.nov.18/Folhapress
Antonio Ruiz Filho

O preâmbulo da Constituição Federal institui um Estado democrático destinado a assegurar liberdade, segurança, bem-estar, igualdade e justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.

A igualdade de todos perante a lei; a liberdade de expressão, de credo, de pensamento, de imprensa; o direito à propriedade, ao sigilo e à intimidade; o devido processo legal e direito ao contraditório, ampla defesa e presunção de inocência, enfeixam um conjunto de valores que permitem concluir que a nação brasileira está sob a égide de legítimo Estado democrático de Direito e que, portanto, preserva os direitos e garantias fundamentais do cidadão.

O Supremo Tribunal Federal, nesse contexto, exerce papel indispensável de guardião dos valores e garantias, e precisa ser prestigiado nesta condição, pois o seu enfraquecimento milita em detrimento de todos, expondo a perigo os bens cuja missão é proteger.

Não obstante as decisões adotadas pelo STF estarem no cume da autoridade cogente, num ambiente de livre pensamento e democracia harmoniosa, é possível escrutinar seus julgamentos e rogar por soluções que sejam fiéis ao texto da Constituição da República. Afinal, os ministros que o integram são humanos e passíveis de erro, apesar de profundamente versados no direito e, seguramente, imbuídos de fazer o melhor julgamento.


Nesse patamar de respeito à autoridade do Supremo, pode-se apontar algumas decisões controversas. Cabe observar que a literalidade do artigo 144 da Constituição reserva à polícia a competência para apurar infrações penais, e não ao Ministério Público, embora o STF tenha outorgado aos seus membros poderes de investigação, assim afetando a necessária paridade de armas em prejuízo da defesa, quando ambos são partes em ações penais públicas. A corte também flexibilizou a presunção de inocência, cujo conceito está diretamente relacionado com o trânsito em julgado, nos termos do artigo  5º, inciso LVII, da Constituição.

Relativizar a lei penal e o seu processo não é apanágio do STF. Trata-se de verdadeira pandemia, o que transforma a Justiça criminal num faz de contas interminável. As regras precisam ser claras, e seu cumprimento inexorável, não apenas para a acusação, mas principalmente em benefício da defesa, sob pena de não se produzir a segurança jurídica que o sistema judicial dedicado à persecução penal precisa inspirar.

O estrito cumprimento a uma regra legal, ainda que por esse vão possa escapar um possível infrator, está dentro dos ditames da melhor Justiça. O reverso disso seria aderir à nefasta teoria de que os fins justificam os meios —que parece tão em voga ultimamente.

A recente decisão adotada pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, de suspender o andamento de procedimentos penais, em que tenham existido a transferência de dados sigilosos sem controle do Poder Judiciário, pode ser tomada como exemplo, nada importando quem seja o autor do pedido.

Está conforme a lei processual, que expressamente admite a medida quando se trate de tema de repercussão geral (art. 1.035, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil). E o que é mais importante, está em perfeita sintonia com a Constituição Federal (art. 5º, inciso X e XII,), que protege a intimidade e o sigilo das pessoas, direitos fundamentais dos quais não se pode abrir mão sem abalar os pilares do Estado de Direito.



Ao contrário da argumentação "ad terrorem", posta a serviço daqueles que defendem seu próprio e ilimitado poder, a decisão do ministro Toffoli não impede nenhuma investigação criminal, mas apenas condiciona a quebra do sigilo à devida autorização judicial.

Para a tutela desse bem inerente à cidadania, pouco importa que se percam algumas investigações ou anulem-se alguns processos e até condenações, o que faz parte do cotidiano de qualquer Justiça. Sempre foi assim, e não há como evitar. Erraram os que descumpriram regra elementar. Premente se faz consertar o erro, e essa profilaxia não vai determinar o fim do combate à criminalidade, longe disso.

O afastamento de um direito fundamental, como o sigilo, é tarefa do juiz. Assim, preocupa verificar que —do mesmo modo que injustamente os advogados são acusados de atrapalhar o andamento da Justiça—agora parece que até os juízes atrapalham ou impedem o trabalho dos donos de todas as virtudes.

Antonio Ruiz Filho

Advogado criminalista, ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) e ex-diretor da OAB-SP e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp)

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