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Méritos do pacote

Na extensa proposta do governo para a reforma do Estado, conter gasto obrigatório é o mais urgente

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Vista panorâmica de Torre da Pedra (SP), cidade com 2.300 habitantes - Zanone Fraissat/Folhapress

É fácil perder-se na enxurrada de mudanças constitucionais que o governo Jair Bolsonaro (PSL) acaba de propor a fim de colocar limite e ordem nos gastos públicos. Cumpre, assim, examinar seus aspectos mais importantes.

Entre os objetivos essenciais das emendas ambicionadas está o controle das despesas obrigatórias, em particular as relacionadas ao funcionalismo e vinculadas ao valor do salário mínimo. Pretende-se inscrever na Carta regras de ajuste orçamentário que podem durar por vários anos pela frente.

Pela proposta, medidas de controle serão acionadas sempre que a administração federal precisar de dinheiro emprestado para bancar seu custeio cotidiano –hoje, recorre-se a autorizações especiais do Congresso para driblar esse limite legal ao endividamento.

Em tal cenário, ficam proibidas todas as ações que impliquem aumento dos encargos com pessoal. Não será possível criar gastos obrigatórios ou elevá-los além da taxa de inflação (caso de salário mínimo e benefícios previdenciários) ou conceder incentivo tributário.

As mesmas vedações deverão ser observadas quando a despesa obrigatória superar 95% de todos os desembolsos não financeiros. A depender do caso, há também autorização para reduzir jornadas de trabalho e salários de servidores em até 25%.

Outra inovação central é a previsão de lei complementar para instituir orientações sobre o limite de crescimento da dívida pública, a serem seguidas na elaboração dos Orçamentos anuais.

A terceira grande linha de força do pacote diz respeito ao enquadramento dos demais Poderes e entes federativos em regras fiscais nacionais. Judiciário e Legislativo, além do Ministério Público, deverão obedecer às mesmas metas e limitações fiscais do Executivo.

Estados e municípios deverão seguir o mesmo padrão de contabilidade do governo federal. Além do mais, prefeitos e governadores terão em mãos um instrumento de corte de despesas obrigatórias idêntico ao federal.

Cessa, a partir de 2026, a hipótese de concessão de crédito e renegociação de dívidas na Federação –isto é, acabam os recorrentes socorros financeiros da União. No mesmo ano, o total de renúncias tributárias deve estar reduzido à metade, o que significa, na prática, aumento de impostos.

Entre outras medidas mais tópicas, note-se a transferência paulatina de mais recursos federais para estados e municípios, como as participações na exploração de recursos como petróleo e recursos do salário-educação.

Trata-se de montante considerável, mas estamos diante da refundação do pacto federativo, como alardeava a área econômica do governo –o que, aliás, seria inviável, dada a penúria federal.

Deseja-se, ademais, a extinção de municípios pequenos com receita própria diminuta, ideia de difícil execução política, mas correta em seus propósitos.

Também controversa, embora racional, é a intenção de flexibilizar os gastos mínimos em saúde e educação, agregando os percentuais hoje em vigor para as duas áreas.

O pacote é ambicioso, no bom e no mau sentido. De tão extenso, corre o risco de ruir sob seu próprio peso, por atrair muitos adversários –em conflitos políticos e corporativos– e provocar debates congressuais talvez intermináveis.

Não resta dúvida de que o setor público brasileiro, em situação falimentar, precisa de um amplo redesenho –para restabelecer o equilíbrio financeiro, sim, mas também para obter eficiência e eliminar privilégios a corporações e setores empresariais. Não parece realista, contudo, imaginar que tudo acontecerá de modo simultâneo.

Em meio aos objetivos meritórios do pacote do governo, cumpre observar que o controle das despesas obrigatórias se mostra mais urgente. A reforma da Previdência, já aprovada, conterá os pagamentos de aposentadorias; falta tratar dos gastos com pessoal, a outra grande rubrica orçamentária, em especial nos estados e municípios.

Há sacrifícios a serem feitos, decerto, mas será enganoso e oportunista atribui-los apenas a imposições legais ou preferências ideológicas. A restrição orçamentária é real e incontornável –e sem enfrentá-la o Estado brasileiro não será capaz de desempenhar sua missão de combate à pobreza e redução das desigualdades sociais.

editoriais@grupofolha.com.br

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