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Pedro Henrique de Cristo e Alejandro Echeverrí

Um projeto para as cidades, um projeto para o Brasil

Crise democrática também advém do caos urbano

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​É nas cidades onde vivem 85% dos brasileiros e mais de metade da população mundial. É nas cidades onde a maioria de nós trabalhamos, vamos à escola, temos acesso à saúde, onde se encontram os empregos e se concentra a inovação.

São essas oportunidades que fazem as pessoas migrarem para as cidades na busca por uma vida melhor. Porém, no Brasil e em muitos países do hemisfério Sul, não foi desenvolvido um projeto de inclusão socioeconômica e espacial com sustentabilidade para as cidades. Vemos cidades divididas, onde a segregação social aumenta de forma dramática. Cidades insensíveis, que destroem os sistemas naturais e a biodiversidade essenciais à vida humana. 

Escadas rolantes instaladas em favela de Medellín, na Colômbia; cidade que ficou famosa pelo tráfico de cocaína nos anos 1980, hoje é mais conhecida pelos seus ambiciosos projetos urbanísticos - NYT

O Plano Piloto de Brasília, criado para ser um teste em busca de um modelo ideal de urbanização, e outros experimentos foram, infelizmente, abandonados pelo poder público. Aprendemos com Brasília que um plano tão rígido, com seus erros e acertos, não é o caminho ideal. Entretanto, esta e outras experiências pelo mundo demonstram que não só planejamento urbano, como também desenho urbano e de paisagem, são essenciais para desenvolver cidades e facilitar que os cidadãos sejam os protagonistas dos seus destinos. 

Muito de nossa crise democrática vem do que tem acontecido com nossas cidades, pois alguém só se torna cidadão quando de fato se torna também parte da cidade ao ocupar espaços públicos, ter acesso a serviços e viver perto do trabalho, com verdadeira mobilidade e conectividade urbanas, fortalecendo assim nosso capital social. Só pode haver um futuro viável para a América Latina e para o Brasil se tivermos um projeto de sociedade que se traduza num projeto para nossas cidades. 

A maior consequência das nossas cidades divididas são as favelas, muitas vezes vistas como um problema, quando na verdade são formadas por um povo cheio de talentos e capacidades. Hoje, um sétimo das pessoas vive em favelas no mundo, enquanto em 2050 serão um terço em meio à crise climática e seus eventos extremos (projeção da ONU). 

Necessitamos de uma agenda social nova, um projeto a partir de nossas cidades que seja inclusivo, resiliente e sustentável ambientalmente. Os problemas de nossas cidades são urgentes. É necessária uma transformação dos governos locais, uma nova imaginação cívica, capacidade e inteligência institucional junto a uma grande generosidade para se trabalhar em equipe.

Existem experiências nossas e de cidades próximas que são extremamente pertinentes para a América Latina. A transformação de Medellín, por exemplo, é um processo construído a partir da busca por uma nova história social de inclusão, educação e inovação, em um contexto muito próximo ao de cidades no Brasil. Medellín não é uma cidade sem problemas. Assim como em diversas outras, eles são muito complexos, mas a metrópole colombiana conseguiu desenhar um futuro viável. 

O que fez a diferença lá foi uma nova capacidade institucional, com inteligência cívica e capacidade técnica. Um bom exemplo é a EDU (Empresa de Desarrollo Urbano). Trata-se de uma agência pública que lidera projetos estratégicos, como o programa de urbanismo social, que, durante sucessivos governos, tem orientado consecutivos programas e projetos de inclusão para as zonas mais críticas de Medellín.

 

Não existem cidades onde a continuidade das políticas públicas e programas ocorram com facilidade, e Medellín não é exceção. Porém, a cidade segue avançando, e a razão para que tenha mantido uma história social é a grande quantidade de espaços de colaboração, alianças e construção de diálogos a partir de espaços de confiança que, há poucos anos, eram utópicos. 

Trata-se de um modelo em que sociedade civil, setor privado e academia têm sido capazes de traçar propósitos comuns com os governos da cidade. E, mais importante, integrando tecnologia e conhecimento de vanguarda para propósitos de equidade urbana, de modo que todos atuem no entendimento de que os reais desafios, oportunidades e recompensas se encontram nos territórios onde as pessoas vivem, sofrem e sonham, e onde podemos aprender e fazer a mudança que queremos uns com os outros.

Pedro Henrique de Christo

Coordenador do Nave (Novo Acordo Verde), é colunista do @Fervuranoclima e professor visitante de desenho urbano no Urbam-Eafit Medellín

Alejandro Echeverrí

Criador do Urbanismo Social, é presidente honorário e professor de desenho urbano no Urbam-Eafit Medellín (Colômbia) e professor honorário da Universidad Tec de Monterrey (México)

TENDÊNCIAS / DEBATES

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