A cidade de São Paulo pode perder, mais uma vez, a chance de dar um passo transformador no uso do centro da cidade. Desde que o edifício Wilton Paes de Almeida desabou, em maio de 2018, no largo do Paissandu, muito foi dito sobre os problemas que levaram à queda, mas pouco se discutiu sobre o que poderia ser feito dali em diante.
A presença do entulho que permanece no terreno, como noticiou reportagem desta Folha em 8 de janeiro, sinaliza um dos maiores problemas para o desenvolvimento do centro da metrópole: o excesso de amarras legais e burocráticas.
A prefeitura anunciou para o terreno a construção de um prédio com 56 unidades dentro do recém-anunciado programa Pode Entrar. Os detalhes do projeto ainda não foram divulgados, mas como exercício podemos supor que os apartamentos terão a mesma metragem média de empreendimentos realizados nesse tamanho de terreno pela gestão pública, que é de aproximadamente 40 m², totalizando cerca de 2.200 m² de área construída útil. O Wilton Paes era um prédio de 24 andares e 12 mil m² de área construída, mais de cinco vezes o que se pretende de seu substituto.
Ele foi erguido numa época onde uso e ocupação de solo privilegiava justamente o que se deveria mirar hoje: um adensamento maior, permitindo que mais pessoas trabalhem ou vivam no mesmo empreendimento a ser construído. Fazendo uma matemática rápida, seria possível incluir na versão antiga 300 unidades com o mesmo perfil das 56 que o município propõe erguer ali agora. E mesmo se não for utilizado o potencial construído do projeto original, o lote está inserido dentro da Operação Urbana Centro, que já possibilita a construção de seis vezes a área do terreno, resultando em um total de unidades muito maior do que 56.
O novo edifício enfrentará ainda deliberações dos órgãos de patrimônio que analisarão as restrições causadas pelo tombamento do entorno, como o do bairro vizinho de Santa Ifigênia . O mesmo problema se repete com a vizinhança do Parque Dom Pedro e da Liberdade.
Há, no Brasil, um perigoso preciosismo de tombar por tombar sem pensar nos usos futuros. A consequência desse engessamento é impedir que se alcance justamente o objetivo inicial de preservar, condenando boa parte do nosso patrimônio à degradação. Temos excelentes equipes atuando no Condephaat e no Conpresp, respectivamente órgãos estadual e municipal, que merecem confiança da sociedade e autonomia para propor e implantar novas fórmulas de convivência entre o novo e o antigo.
Não se trata de permitir ou liberar qualquer tipo de atividade ou construção, e sim de estudar e estabelecer, de forma rápida e prática, restrições e legislação que permitam novos usos —pois nem isso hoje é possível.
O que parece inviável é deixar sob responsabilidade apenas do poder público a criação de soluções de moradia popular. A iniciativa privada tem o expertise, foco e tempo para isso, podendo contribuir através de parcerias para liberar o Estado para pensar a forma de legislar a favor do desenvolvimento sustentável e equilibrado.
Já temos vários casos bem-sucedidos de cooperação entre empresas e governo, como os próprios programas de habitação Minha Casa, Minha Vida (PPP ou empreendimentos privados com subsídios), do governo federal; Nossa Casa, do governo paulista; e, agora, torçamos pelo Pode Entrar, da gestão municipal.
Todos podem e devem ser aprimorados, mas já existem como ponto de partida. Inaceitável é levarmos dois anos para decidir o que fazer com o terreno de um prédio que desabou justamente pela falta de agilidade na política pública.
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