Jornalistas nunca devem ser notícia. Aqueles que encaram a profissão a sério guardam isso como mandamento número um. O que importa é o que registram, reportam, os furos que dão, as histórias que contam. Claro, o talento de quem o faz pesa. Um mesmo fato pode ser descrito e revelado de várias maneiras. O jornalista de verdade é aquele que comemora que a sua reportagem ou opinião teve importância, mudou alguma coisa, interferiu no curso dos acontecimentos. Mas sempre prefere o “backstage”.
Conheci Patrícia Campos Mello no início da sua carreira. Eu, como editor-executivo do hoje extinto Jornal da Tarde. Ela, como repórter iniciante. Desde então já se destacava tanto pela qualidade do que produzia como pela ausência absoluta de empáfia ou complexo de pavão —um mal que infelizmente habita as Redações até hoje e geralmente acomete os mais despreparados e arrivistas.
Fosse outra pessoa, Patrícia poderia muito bem seguir esse caminho tortuoso. Vem de uma linhagem de escol. Seu pai, Hélio —que nunca tive a oportunidade de conhecer pessoalmente—, além de fotógrafo excepcional, domina os segredos do jornalismo como poucos. Patrícia nunca se valeu da “sobrenomecracia” para se firmar na profissão. Tudo o que conquistou foi pela sua própria capacidade e proficiência inatas.
Um breve passeio pela sua carreira mostra como ela conquistou o respeito e a admiração de quem ainda leva o ofício a sério. Seu apego pela apuração responsável, sem preconceito ou intenção de adaptar a realidade a teses preconcebidas, é uma de suas qualidades. O bom jornalista é aquele disposto a reconhecer e admitir que os fatos muitas vezes desmentem aquilo que eles pensavam ser o verdadeiro. Patrícia sempre foi assim. Sua trajetória de jornalista, seja como repórter de “buracos de rua” e depois como correspondente internacional em coberturas memoráveis, fala por si só.
Não é à toa, e sim à custa de muito trabalho e investigação, como de hábito, que coube a ela talvez a principal reportagem sobre a fraude gigantesca que permitiu a Jair Bolsonaro tomar de assalto o Palácio do Planalto. Suas reportagens sobre a manipulação digital e eletrônica que turvaram o resultado da última eleição presidencial são irrefutáveis.
Isso explica o ataque indecente que ela sofreu por parte dessa gangue de meliantes que hoje destroça o país. Na falta de argumentos e fatos, partiram para baixarias que se tornaram o cardápio oficial vigente desde janeiro de 2019.
As entidades que representam, ou dizem representar, os jornalistas que sobraram deveriam ser muito mais contundentes na condenação aos insultos dirigidos a Patrícia. Tomar medidas cabíveis à altura do ocorrido. Infelizmente, agem com timidez, assim como fizeram diante das agressões transmitidas ao vivo do “jornalista” Augusto Nunes contra Glenn Greenwald num programa de rádio em São Paulo.
Não se trata de corporativismo. Apenas da defesa da verdade. Da dignidade. Do trabalho de uma profissional que eu tive o orgulho de conhecer e que é um exemplo para quem leva a sério o trabalho de jornalistas que merecem esse status. Do futuro do país.
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