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Monique Rodrigues do Prado

Uma sociedade antirracista rumo ao progresso

Nosso avanço esbarra na integração dos esquecidos

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Enquanto mulher, negra e ativista, vejo que o maior desafio do movimento negro é trazer as pessoas brancas para vestir a camisa antirracista, provocando de fato um abalo na estrutura vigente.

“Em uma sociedade racista, não basta não ser racista, tem que ser antirracista”. Nesta frase de Angela Davis há explicito chamamento ao despertar do estado de dormência da branquitude, a qual embora tenha criado a hierarquia étnico-racial, até hoje estruturalmente não se desconforta ao lidar com ela. Embora a autora tratasse sobre a realidade americana, a reflexão é plenamente cabível para pensarmos o Brasil enquanto projeto de país.

Monique Rodrigues do Prado - Advogada, integrante do corpo de advogados voluntários da Educafro, cofundadora do Afronta Coletivo e participante do Comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil
A advogada e ativista Monique Rodrigues do Prado - Divulgação

Se racismo é mecanismo de poder penetrado nas instituições e na estrutura de um Estado, antirracismo é, em último grau, a aderência de visão que abomina —mas não ignora— o racismo como parte da conjuntura político-social.

Significa dizer que uma estrutura antirracista reconhece que o modelo vigente falhou enquanto plano programático de avanço e progresso, tendo como consequência a adoção de medidas que vislumbrem a quebra desse paradigma.

O racismo, que se apresenta como a herança vergonhosa da escravização, é no Brasil fruto de medidas institucionais tomadas pelo Estado: a Constituição de 1824 proibiu negros de frequentarem escolas; a Lei da Terra, de 1850, superfaturou o preço das terras para que as pessoas negras, ainda que livres, não pudessem compra-las; e a abertura do país para a migração europeia, pelo decreto 528 de 1890, ofertando-lhes terras, sementes e dinheiro.

A discrepância de tratamento socioeconômico entre brancos (europeus) e negros libertos foi proposital, já que o Brasil tinha como objetivo naquele momento embranquecer a população, sobretudo porque a entrada de asiáticos e africanos só poderia ocorrer mediante autorização. Por conseguinte, não há como falar de racismo sem falar de branquitude, termo cravado para explicar o esqueleto identitário tido como universal que, por ser o modelo adotado, traz como consequências privilégios e condições melhores a quem com ele assemelha-se.

Mais tarde, além do descrédito em relação à integração de seus negros, o Brasil usou a miscigenação como camuflagem para continuar exonerando-se de sua responsabilidade quanto à reparação histórica.

Nesse sentido, essa lógica perversa e implícita no imaginário da sociedade brasileira sobre a questão racial que assistimos hoje tem origem, perpetuando-se a ideia de que o tema nos divide entre “nós e eles”, rechaçando-se a importância da luta antirracista como algo que finalmente nos destina aos mesmos horizontes em termos de oportunidades, crescimento econômico, acesso a ensino de qualidade e saúde, entre outras questões fundamentais.

Há neblina que acoberta o avanço do Brasil, polarizando discussões que no fundo são de interesse de todos. Certamente, dentro desses dissabores experimentados pelos brasileiros, podemos falar sobre pobreza, fome, emprego, violência, saneamento, dentre tantos outros. Se olharmos de perto, esses são os pontos de encontro entre todos os brasileiros —sejam eles de direita, de esquerda ou de centro.

Entretanto, não é novidade que o racismo atravessa todos esses marcadores sociais e atinge em maior escala pessoas negras, razão pela qual a luta antirracista objetiva desmontar a escassez e encorajar o Brasil a sonhar de novo, livre da culpa escravocrata que assombra este país, desvencilhando-se de vez desse berço colonial que criou um profundo buraco socioeconômico racializado.

A ferramenta do acesso ao progresso esbarra na integração dos indivíduos esquecidos. Por outro lado, para que esse progresso chegue, é preciso que as pessoas brancas compreendam como a branquitude opera, sobretudo aquelas que detenham a caneta no Congresso Federal, na Presidência da República, no Judiciário e nas grandes corporações.

Fundamentalmente, para alcançar o tão sonhado lema “ordem e progresso”, necessariamente o Brasil deverá parir a luta antirracista para que juntos possamos traçar uma direção comum em prol da equidade.

Monique Rodrigues do Prado

Advogada e integrante do corpo de advogados voluntários da Educafro e da Comissão de Direitos Humanos da OAB (subseção Osasco), é cofundadora do Afronta Coletivo e participante do Comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil

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