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Morton Scheinberg

Limitações da telemedicina

Embora tenha de fato potencial real, trata-se de um complemento

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Morton Scheinberg

Especialista em doenças autoimunes, é doutor em imunologia pela Boston University, livre docente em imunologia pela USP e master do American College of Rheumatology

Tão logo a pandemia se instaurou no Brasil, os consultórios médicos se esvaziaram, principalmente aqueles que ficam dentro de complexos hospitalares.

Pacientes portadores de doenças crônicas, mesmo aqueles com câncer ainda sem controle aparente, deixaram de vir aos controles de evolução de suas respectivas doenças. Tão grave quanto foi o fato de os pacientes sequer irem se consultar para receberem os tratamentos que já estavam estabelecidos, interrompendo efetivamente os cuidados médicos.

Nesse sentido, a telemedicina é uma importante ferramenta para manter o tratamento médico durante a pandemia, oferecendo a opção de que visitas sem caráter de urgência possam se tornar visitas virtuais. O potencial da telemedicina pode ser avaliado na prática médica antes da pandemia, como uma ferramenta muito útil que fortalece a atenção primária e evita o desperdício na cadeia de saúde. Mas é durante a pandemia que ela se torna inestimável, principalmente em casos em que ela viabiliza a continuidade do tratamento médico e evita recaídas.

O reumatologista Morton Scheinberg em seminário promovido pela Folha em 2018 - Reinaldo Canato/Folhapress

A telemedicina hoje está para a prática médica como as visitas domiciliares eram antigamente, em que podemos acompanhar os nossos pacientes no seu contexto familiar. Mas isso ocorre quando há uma relação médico-paciente bem estabelecida. Para pacientes em áreas distantes, em cenários de pandemia ou idosos com dificuldades de locomoção, a telemedicina tem o potencial de dar acesso à assistência médica e evitar exposição ao vírus.

Já se foram meses de pandemia e, como médico, fiz dezenas e dezenas de consultas por telemedicina. Minha percepção é que as visitas virtuais não são o ideal para todos os casos e devem ser consideradas complementares às consultas tradicionais.

Elas não têm o potencial de alavancar a relação médico-paciente. Aquele ritual inicial em que se faz a anamnese, a coleta dos sinais vitais, é um processo de relacionamento com o paciente. Embora haja adventos tecnológicos que possam fazer esse papel em alguns casos como os já descritos acima, estou acostumado, como médico, a medir a pressão arterial dos meus pacientes. Percebo muito durante a consulta que não pode ser traduzida somente em números em um prontuário.

O aspecto tecnológico da consulta pode acabar atropelando a qualidade da consulta, com interrupções por conta de barulhos externos, visualização do espaço, problemas de wi-fi e quebras indevidas no fluxo de coleta de dados do paciente, que é vital para a formação de diagnósticos e tratamentos.

Uma câmera, por melhor que seja, não consegue transmitir tudo que uma consulta presencial passa para um médico. Um olhar mais atento pode pegar um hábito, uma mancha, uma sensação que nem sempre é possível identificar virtualmente.

Quando comparo as consultas presenciais com as virtuais, não tenho dúvidas de que a riqueza de emoções da consulta presencial cria uma conexão com o médico difícil de ser obtida pela avaliação virtual. Esse distanciamento também não consegue trazer um sentimento de satisfação pela consulta que costuma estar presente quando se desenvolve uma afinidade entre o médico e o paciente.

A prática da medicina em ambiente de pandemia sofre grandes transformações e, no período pós-pandemia, a telemedicina deverá se consolidar ainda mais. No entanto, não acredito que a telemedicina irá mudar os alicerces da prática médica, gerando algum movimento propositivo de mudança na relação médico-paciente, substituindo o contato pessoal pelo celular ou pelo computador.

A consolidação da relação do paciente com seu médico começa na relação presencial, e a prática da telemedicina age mais como elemento secundário de apoio na confiança que se estabelece entre as partes. Confiança essa que vai se cristalizando em encontros subsequentes, alguns podendo até mesmo serem virtuais.

A evolução da comunicação eletrônica faz com que a telemedicina possa ser de real valia em áreas geográficas distantes onde há limitação para médicos e pacientes. Embora tenha de fato um potencial real, a telemedicina é um complemento, depois que médicos e pacientes criam laços de empatia e confiança, o que começa na consulta presencial.

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