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Haroldo Guimarães

Racismo não é problema meu

Este texto é feito para você que concorda com a frase acima

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Haroldo Guimarães

Advogado, ator e militante do movimento negro

Este texto é feito para você que concorda com a frase do título. Que não é racista. Para quem todas as vidas importam e sabe, com razão, que alguns estão aproveitando a questão para fazer política eleitoral. Que não curte modinha. Que identifica com precisão os baderneiros e os radicais. Que detesta vitimização. Que sabe que acidentes de carro, assaltos e filas de hospitais são outros problemas graves do Brasil que não tiveram a mesma repercussão nestes dias. Que sabe que, às vezes, as pessoas voltam a falar do que já falaram. Isso às vezes cansa, né?

Você que é confundido injustamente com pessoas racistas. Que tem boa escolaridade e, racional que é, adora exemplos didáticos: veja se o exercício mental abaixo pode ajudar.

O ator Haroldo Guimarães no papel de Munízio, seu personagem no filme 'Cine Holliúdy'
O ator Haroldo Guimarães no papel de Munízio, seu personagem no filme 'Cine Holliúdy' - Ramon Vasconcelos/Rede Globo

Em lógica argumentativa, se você defende, sei lá, a realização das pessoas, não pode ser contra alguém que defende especificamente o sonho olímpico, concorda? Se você defende a justiça para todos, naturalmente você não será contra os advogados trabalhistas. Se você ama seus três filhos, não pode ser contra o cônjuge que está ajudando o filho do meio no dever de casa.

Como você é inteligente, já se tocou que o atleta, o advogado e o cônjuge só não merecem seu apoio se exigirem exclusividade de direitos para si ou para o que ou quem defendem em específico.

Isso parece irrefutável. E é a razão pela qual eu diria que o mais sensato a fazer é deixar que todos defendam as pautas que preferirem, se elas foram justas.

Tudo bem, tudo bem, eu sei que é possível —embora seja esquisito— que existam atletas que defendam que apenas o esporte deva ser política pública. Ou advogados trabalhistas que, a pretexto de defenderem seus clientes, quebram o fórum ou ofendem injustamente o juiz. Ou mães que negam afeto a alguns de seus filhos. Pretos que quebram tudo e/ou só querem direitos para si e para mais ninguém. Mas todos os atletas, advogados, mães e pretos são assim? Podemos tirar o todo pela parte? Certamente você não fará isso, porque você é sempre ponderado.

Porque, se fizesse... iria parecer que, no fundo, não gosta de esporte, nem de advogados trabalhistas, nem do seu filho do meio. Nem de preto.

A você, para quem fiz este texto: cuidado com as aparências. Eu me importo verdadeiramente com sua vida, até porque todas as vidas importam: a minha, a sua, a de João Pedro Matos Pinto, a de George Floyd, a de Dandara, a de Marielle e as dos policiais mortos todos os dias.

Eu sei que, como você é perspicaz e também pode pagar o paywall da Folha, a esta altura já entendeu que, mesmo com ótimas intenções, pode estar atrapalhando uma luta legítima com generalizações. Esse foi o meu recado para você, de todo o coração, mas usando o que você mais gosta em si: a sensatez que nós achamos que (sempre) temos.

Enfim: use melhor o seu tempo e sua razão.

Aos outros que também leram —que não são racistas nem aparentam ser—, eu também tenho um recado: continuem, por favor. E sejam também insidiosos e estratégicos, como é o racismo neste país.

Você levou menos que 8 minutos e 46 segundos para ler esse texto. Esse foi o tempo que George Floyd suplicou para viver enquanto era garroteado pelo policial Derek Chauvin.

Vou repetir, mesmo sabendo que às vezes cansa: use melhor o seu tempo e sua razão.

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