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O papel de Damares

Relatos que apontam tentativa de impedir aborto feito legalmente demandam investigação rigorosa

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Damares Alves discursando durante cerimônia oficial no Palácio do Planalto
A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, em cerimônia no Palácio do Planalto. - Pedro Ladeira/Folhapress

O caso da menina capixaba de dez anos que fez aborto em agosto chocou o país ao expor não só a realidade dolorosa enfrentada por muitas mulheres, mas também as dificuldades que encontram para fazer valer direitos que a lei lhes assegura.

A menina engravidou após ser estuprada por um tio, que a submeteu a abusos por anos. Ela foi ao hospital acompanhada pela avó e expressou o desejo de interromper a gravidez. Médicos constataram que corria risco de vida se não o fizesse.

Não havia dúvida, portanto, sobre o enquadramento da situação na lei brasileira, que permite o aborto quando a gravidez decorre de estupro, se há risco para a mãe e, por decisão do Supremo Tribunal Federal, quando o feto é anencéfalo.

O procedimento foi autorizado pela Justiça e realizado por um hospital do Recife, após recusa da primeira instituição procurada em Vitória, onde se alegaram dificuldades técnicas para fazê-lo.

Soube-se agora que, nos dias que antecederam o procedimento, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, mobilizou funcionários e recursos financeiros da pasta para que a história tivesse outro desfecho.

Como a Folha revelou, assessores do ministério foram enviados à cidade da menina para discutir a situação com autoridades que acompanhavam diretamente o caso.

Representantes de um hospital privado de Jacareí (SP) participaram dos encontros e ofereceram suas instalações para que a menina não interrompesse a gravidez.

Verbas do ministério foram oferecidas para aquisição de um carro e equipamentos para o conselho tutelar local, uma das instituições legalmente responsáveis por zelar pelos direitos da menina.

Relatos colhidos pelo jornal oferecem evidências de que essas iniciativas tinham como único propósito buscar alternativas para impedir a realização do aborto —e merecem ser examinados com rigor pelas investigações que se anunciam.

Damares, cujas opiniões contra o aborto são conhecidas, tem o direito de pensar o que quiser. Mas nada a autoriza a usar os poderes do cargo que ocupa para defender suas convicções pessoais —o que ela nega ter feito nesse caso.

Cabe à sociedade e ao Congresso encontrar o caminho para rever aspectos anacrônicos da lei, como a criminalização do aborto. O tema deve ser tratado como questão de saúde pública e respeito aos direitos das gestantes, e não pela ótica de fanáticos e obscurantistas.

editoriais@grupofolha.com.br

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