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Haroldo Guimarães Brasil

Mr. Keynes e seus inimigos

De ferramenta econômica de curto prazo à ampliação do poder político através do déficit público

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Haroldo Guimarães Brasil

Engenheiro, professor e consultor, é mestre em administração (UFMG) e doutor em economia (UFRJ)

Se John Maynard Keynes (1883-1946) estivesse entre nós, talvez dissesse que seus maiores inimigos são seus atuais amigos. Devido a frequentes ocasiões de mercado abaixo do pleno emprego ou em função de choques recessivos, a adoção de políticas anticíclicas de aumento reversível de gasto público é necessária, como a aplicação de receita médica para uma doença aguda, mesmo sabendo-se que os gastos públicos aumentados, somados ao seu custo financeiro, não serão recuperados pelo aumento da arrecadação, advindo do aumento "ex post" da renda.

É o que o psicanalista e escritor Hélio Pellegrino chamava de “mal necessário”; portanto, um bem. Ou seja, Keynes ofereceu à sociedade uma ferramenta de Estado para dirimir sofrimento advindo de choques externos ou de flutuações econômicas. Alertando que a eficácia da aplicação dessa ferramenta vai depender do comportamento do agente econômico frente à sua preferência por liquidez.

O economista britânico John Maynard Keynes, defensor da presença estatal na economia
O economista britânico John Maynard Keynes, defensor da presença estatal na economia - Reprodução

Entretanto, a apropriação política do keynesianismo é, talvez, um dos maiores males das nações em desenvolvimento, inclusive e principalmente a brasileira. A mudança de status do keynesianismo, de uma ferramenta econômica de curto prazo, para instrumento de exercício e ampliação do poder político através do déficit público, talvez desagradasse ao próprio Keynes.

Essa mudança de status da proposição de Keynes para o populismo político é destruidora em várias perspectivas, inclusive a financeira, a mercadológica e a política. Nessa toada populista, os impulsos econômicos anticíclicos transformam-se em gastos permanentes, batizados com nomes bonitos (Programa de Aceleração do Crescimento ou Programa Renda Brasil).

Há, também, outros impulsos econômicos que se transformam em “direitos adquiridos” para castas de funcionários públicos. Esses “direitos”, que infestam as despesas correntes públicas, nada mais são do que “dever imposto” à sociedade, que paga a conta, mas que nunca é chamada a decidir sobre essas concessões dadas pelos dirigentes públicos.

A expansão dos gastos públicos ocorrida no Brasil desde 1960 até hoje foi assustadora. No início dos anos 1960, a dívida interna brasileira era desprezível, e a dívida externa era próxima a US$ 4 bilhões. A dívida bruta pública está hoje quase 86% do PIB, maior valor desde a série histórica iniciada em fins de 2006. O comportamento da dívida bruta brasileira está intimamente ligado à política de déficit permanente (chamar isso de populismo keynesiano é promover injustiça ao economista genial) e à falta de políticas estruturantes.

As reformas, tributária e administrativa, juntamente com as privatizações, definitivamente dariam ao Brasil o status de país verdadeiramente emergente, apto a se apropriar de ganhos de produtividade, advindos do funcionamento saudável da economia. As políticas reformistas são as que realmente trazem benefícios de longo termo à população, são as que trazem a sociedade ao debate público, são as que viabilizam investimentos em saúde e educação, são as políticas que “guardam alimento para o inverno”, usando a fábula adaptada de La Fontaine.

Mas, infelizmente, a história recente tem evidenciado os governos sendo capturados pela tentação populista. Sempre que eventos não recorrentes surgem, abrem-se oportunidades de aumento da popularidade, viabilizando a reeleição. No caso do governo Lula (PT) foi o petróleo. Inicialmente, seu governo adotou postura responsável, em termos fiscais, mas, a partir da descoberta do pré-sal, começou a “gastar por conta”, lastreado pelo “porvir” de receita de exploração de petróleo.

Na esfera estadual, o governo Sérgio Cabral (MDB) teve o mesmo comportamento, quebrando o Rio de Janeiro. No caso do governo Jair Bolsonaro (sem partido), a ignição populista foi dada pela pandemia. Dada a necessidade de gastos governamentais para suportar a crise instaurada pela Covid-19, a popularidade do presidente cresceu sensivelmente, principalmente no Nordeste. Isso foi suficiente para que ele mudasse a rota fiscal completamente. Seu governo possui verossimilhanças com a gestão Dilma Rousseff (PT), divergindo obviamente com relação ao discurso ideológico.

A causalidade histórica desses governos é conhecida: políticas populistas, irresponsabilidade fiscal, popularidade, carisma, poder, reeleição e fragilização financeira (Ponzi). Quando o rumo populista prepondera, as decisões de gasto, de sustentação da popularidade, passam a compor a agenda política. As políticas estruturantes vão para o fim da fila, causando fragilização das finanças públicas. Nesses momentos, a ala fisiológica do Congresso torna-se uma aliada nas agendas gastadoras. Nada a perder. Se der errado, é só abandonar o barco.

No prazo mais longo, a solução desse círculo vicioso passa pela mudança do regime eleitoral (eleições gerais a cada cinco anos); fim da reeleição em todas as esferas, inclusive de deputados e senadores; e fim do voto obrigatório. A perspectiva de uma reeleição obriga os gestores a “comprarem” popularidade. Obriga-os a serem carismáticos. “Quando o inverno chegar, não teremos guardado comida suficiente”. Governo de cigarras.

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