Negro vota em negro?

Questionada sobre se 'mulher vota em mulher', Lélia respondeu: 'é tão vazio quanto 'negro vota em negro'

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Antes de tocar no ponto central deste artigo, faz-se necessário destacar que é preciso conhecer a história para que as tragédias não se repitam como farsas.

O debate da representatividade negra na política foi alimentado pela eleição de Kamala Harris à Vice-Presidência nos EUA. Tal questão já ecoava no Brasil, muito com a instituição de cotas nos fundos eleitorais para candidatos pretos e pardos. Enquanto se aguarda o desenlace da ameaça de judicialização do pleito, vemos uma comemoração que destaca o simbolismo da eleição da primeira mulher negra ao cargo.

Engrossando o coro que questiona uma mudança efetiva entre Trump e Biden —principalmente na política externa—, a atuação de Harris foi posta em xeque.

Conhecida pela defesa da "3 strikes", lei que aumenta a chance de prisão perpétua e tem impacto desproporcional na população racializada, sua atuação como procuradora na Califórnia viu aumentar o número de condenações. Também realizou uma ação contra a evasão escolar que prendia pais de alunos pouco assíduos. O punitivismo a que ela parece aderir —mas que por certo não inaugurou— tem endereço conhecido na população negra.

A chapa que acenou aos eleitores racializados e às mulheres foi eleita, mas vale lembrar que o movimento Black Lives Matter, que voltou forte neste ano, surgiu no mandato de Obama.

Lá em setembro de 1982, Lélia Gonzalez foi assertiva ao tratar dessa questão numa entrevista ao jornal Mulherio. Quando questionada sobre o slogan "mulher vota em mulher", prontamente respondeu que ele era tão vazio quanto o "negro vota em negro".

A historiadora, geógrafa e filósofa —a intérprete do Brasil— destacou que há mulheres e negros que "fazem o jogo" da classe dominante, buscando reproduzir esses privilégios e mesmo participar deles. Lélia ainda enfatizou os movimentos de "voto racial" e "voto feminista", o primeiro proposto pelo Movimento Negro Unificado, nas eleições de 1978, e o segundo, nas eleições de 1982.

Quanto ao voto racial, são duas as lições que Lélia deixou.

A primeira é que não podemos renunciar às reivindicações da comunidade negra ao escolher o voto. Uma das pautas inegociáveis é o combate à violência policial e ao viés racista e misógino da Justiça.
A segunda é que são muitos os candidatos "progressistas" que usam de demagogia eleitoreira, mas não estão comprometidos com um programa antirracista.

Essa breve visita ao passado nos faz enxergar um caminho com mais nitidez. Ouvir a Lélia de ontem nos ajuda a construir hoje uma sociedade mais justa.

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