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Mais que pirraça

Delonga de Bolsonaro em reconhecer Biden é sintoma de deterioração da diplomacia

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O chanceler Ernesto Araújo e o presidente Jair Bolsonaro - Marcos Corrêa/PR

Jair Bolsonaro foi um dos últimos chefes de governo ou Estado a reconhecer a vitória de Joe Biden. Tal atitude tem mais significado para a política doméstica do que para as relações do Brasil com os EUA.

A hostilidade de Bolsonaro deveria ser óbvia para Biden muito antes da eleição, dada a devoção do brasileiro a Donald Trump. As acusações desinformadas de fraude eleitoral e grosseira de cumprimentar o presidente eleito na última hora apenas confirmaram a disposição à picuinha.

Os Estados Unidos podem até se valer desse ato de hostilidade a fim de acentuar um ou outro gesto crítico contra o Brasil, mas sua diplomacia se pauta por objetivos maiores, com crueza pragmática.

Em geral, haverá conflito em temas de interesse americano, como a nova ênfase do país em assuntos ambientais ou o plano de restaurar relações multilaterais, objetos da destruição trumpista.

Por outro lado, aos americanos pode interessar o apoio brasileiro em seu conflito com a China, como no caso da tecnologia de comunicações. De resto, o Brasil é um país grande nas Américas e há muito interesse econômico aqui.

No cenário mais amplo, o Brasil é de relevância secundária para a Casa Branca, desde que o bolsonarismo não promova uma grande desordem regional ou institucional. Tornou-se muito menos importante em tempos recentes.

A força brasileira nas relações internacionais baseava-se na moderação, na capacidade de mediar acordos e de interlocução com países adversários entre si —além de liderar iniciativas ambientais.
Essa obra diplomática de gerações está em ruínas, o que começa a alarmar políticos e até empresários.

A indisposição chegou ao Senado, que acaba de fazer o raro gesto de vetar um indicado do governo para o posto de delegado na ONU.

Talvez o comando vexatório e perigoso de Ernesto Araújo no Itamaraty esteja ameaçado —o desvario do governo em geral, não.

Ao imitar as denúncias trumpistas de fraude eleitoral, Bolsonaro quer disseminar também no Brasil a desconfiança na democracia e em instituições racionais de governança. Nessa visão, elites globalistas comunistas e seus representantes sabotam os valores tradicionais das nações. Conspiraram inclusive para eleger Biden.

A irrelevância do Brasil resulta do projeto de formação de uma internacional reacionária. O ataque a Biden é subproduto desse desvario.

editoriais@grupofolha.com.br

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