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Renato Anelli

O conjunto esportivo do Ibirapuera deve dar lugar a um complexo multiuso? NÃO

Memória urbana de São Paulo não pode ficar submissa a tais interferências

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Renato Anelli

Professor titular sênior do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP, é representante do Instituto de Arquitetos do Brasil no Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico)

Referência internacional na história do esporte e da arquitetura, o Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães está gravado na memória afetiva dos milhares de atletas que ali se formaram e competiram, assim como do público que se reuniu para assistir e torcer.

O atual governo paulista deixa tal glória no passado, como se fosse impossível que eles continuassem a servir à população de São Paulo. Considerando fato consumado a degradação provocada por ele próprio, o governo propõe um majestoso complexo de arena, shopping e hotel no seu valioso terreno.

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Vista aérea do Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, onde fica o ginásio do Ibirapuera, em São Paulo - Gabriel Cabral - 22.out.19/Folhapress

Tal operação, que nos lembra a voracidade “da força da grana que ergue e destrói coisas belas”, como na canção de Caetano, precisa ter seu curso alterado por dois motivos: o complexo constitui importante patrimônio cultural e pode ser modernizado sem o comprometimento de tais qualidades.

Sua qualificação como patrimônio cultural é decorrente das circunstâncias de sua construção, as comemorações do 4º Centenário da cidade de São Paulo, em 1954. Parte integrante do parque criado para essa efeméride, dialoga em grande escala com os monumentais volumes e marquise de Oscar Niemeyer, formando assim a paisagem verde e moderna do Ibirapuera. A arquitetura inovadora, pela sua forma e técnica, tornou-se um ícone para atletas e sociedade, que agora se mobilizam pela sua preservação.

O pedido de abertura do processo para seu tombamento foi negado por um conselho de defesa do patrimônio histórico sob intervenção do próprio governo, que alterou sua composição em 2019 para garantir folgada maioria. A memória urbana de São Paulo não pode ficar submissa a tais interferências sem o diálogo com outros setores da sociedade.

É possível preservar e modernizar os bens tombados. O Brasil é repleto de bons exemplos de adaptações que respeitam o valor cultural da arquitetura. Escolas públicas construídas no começo do século 20 continuam funcionando muito bem, mesmo tombadas, porque houve ação pública de preservação. A velha fábrica de tambores na Pompeia foi transformada em centro de lazer do Sesc, sendo um sucesso de público e crítica. O próprio conjunto esportivo do Ibirapuera foi objeto de concurso de projetos para sua modernização sem descaracterização, promovido pela Secretaria de Esportes em parceria com o Instituto de Arquitetos do Brasil (SP) em 2003, infelizmente sem prosseguimento.

As diretrizes contemporâneas para preservação de patrimônio cultural permitem transformações e adequações que auxiliem na sua preservação. Mas há limites, e eles precisam ser definidos pelos conselhos de defesa do patrimônio cultural.

Os usos escolhidos, preponderantemente esportivos, devem ajudar a preservar o significado cultural. Isso só não ocorreu nas audiências que definiram a concessão pelo estado porque o pedido de tombamento, de novembro de 2017, ficou estrategicamente engavetado, só indo à plenária do Condephaat agora.

No intervalo desses três anos, a concessão foi definida com usos que não cabem naquele espaço sem a demolição do existente. Essa é a única razão do impedimento da abertura do processo de tombamento pelos representantes do governo do estado no Condephaat, pois imporia algum nível de preservação.

Ainda há tempo para virar o jogo, como pedem os esportistas mobilizados, o Comitê Olímpico Brasileiro e várias federações. A sociedade clama que o projeto da concessão seja alterado para preservar esse conjunto ativo, como um monumento paulista ao esporte brasileiro.

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