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João Santana

O jogo do contente

Investidor da Petrobras está mais preocupado com ativos do que com governanças

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João Santana

Advogado e sócio da Lato Capital, foi secretário da Administração Federal (mar.1990-mai.1991) e ministro da Infraestrutura (mai.1991-mai.1992; governo Collor); é autor de ‘O Estado a que Chegamos’ (editora Alta Cult)

A quebra do monopólio da Petrobras, em agosto de 1997, foi bastante festejada. Acreditaram, ao menos alguns desavisados, que o mercado de combustíveis no Brasil seria desregulamentado, haveria competição e a sociedade estaria liberta da ação oligopólica na prática de preços de combustíveis e derivados.

Não foi o que aconteceu. Continuamos com falta de transparência, e aqui e acolá algum governante vê na intervenção da política de preços dos derivados uma forma de agradar a população e ganhar alguns pontos na inflação.

Conta petróleo, subsídio do tesouro, crédito do BNDES, congelamento na marra, um horror! Tudo o que se possa imaginar, e olha que sempre tem criatividade na maleta de ferramentas do governo. A ver.

Depois da quebra do monopólio, o Congresso engalfinhou-se na discussão sobre a situação prática do mercado de óleo e gás e sobre o status da Petrobras. O resultado foi a aprovação da Lei do Petróleo, (lei 9.478, de 6 de agosto de 1997), onde a horas tantas, no seu capítulo 9, artigo 62, diz textualmente: “A União manterá o controle acionário da Petrobras com a propriedade e posse de, no mínimo, cinquenta por cento das ações, mais uma ação, do capital votante”.

Depois, em seu parágrafo único, joga uma pá de cal nas expectativas de qualquer preferencialista: “O capital social da Petrobras é dividido em ações ordinárias, com direito de voto, e ações preferenciais, estas sempre sem direito de voto, todas escriturais, na forma do art. 34 da Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976”.

O certo é que a Petrobras é uma estatal que, mais do que participa, comanda a cadeia produtiva e comercial de um oligopólio que, como tal, merece sempre algum escrutínio por parte das autoridades, Cade, Secretaria de Defesa Econômica etc. —ao menos é o que ocorre em qualquer país capitalista sério.

Agora, o já ex-presidente da empresa apanha do governo por não ter assentido com alguma fórmula mágica que congelasse o preço do diesel às portas de uma anunciada greve de caminhoneiros. Disse inclusive que a companhia, como os de lá gostam de chamá-la, nada tem a ver com a categoria.

Trágico engano, deveria dar mais atenção a seus clientes, em particular a uma parte substancial destes, e não somente rezar para os que detêm papéis da empresa.

Melhor seria dizer a verdade, ou seja, a “companhia” quer e gostaria sempre de oferecer a seus clientes o melhor produto com os preços mais adequados, porém isso não depende dela!

Sim, todos estão pagando pela desvalorização do real; aliás, não só petróleo, mas soja, milho, trigo e todas as commodities que têm seus preços cotados em dólar. Então que se atravesse a rua e indague ao Banco Central se continuaremos neste passo. Claro, com muito respeito, pois os homens de lá agora tem autonomia.

Quem sabe essa pergunta possa ser feita pelo Congresso, que foi quem deu a autonomia e é a autoridade que pode questioná-lo em nome da sociedade —evidentemente, em audiências públicas, como fazem nossos vizinhos lá do norte. Aguardemos.

De outra sorte reclama-se da falta de governança da companhia. Falam de certo acordo com o mercado com aval da Bolsa, quando a empresa, em 2017, acendeu ao nível 2 de governança da B3 e comprometeu-se com práticas onde, inclusive, daria certo poder aos seus preferencialistas.

Era recém-saída do escândalo do “petrolão”, estava desacreditada, seus papéis andando de lado. Isso deu ânimo: voltaram todos a negociar Petrobras e dizer a todos o bom negócio que eram seus papéis e como todos ganhariam dinheiro.

Depois, no início de 2020, desvinculou-se do programa e justificou que cumpria as normas da chamada Lei das Estatais (lei federal 13.303, de 30 de junho de 2016).

Ou seja, usou das regras de um mercado moderno, onde empresas privadas atuam com transparência e aderem a regras unilateralmente, que respeitam e praticam.

Era necessário. Sua permanência no programa da B3, além de contrariar a chamada Lei do Petróleo, seria impraticável, pois logo venderia suas refinarias e não teria como nem por quê submeter essa alienação ao comitê dos minoritários. Todo investidor de ações da Petrobras sabe disso e jamais poderá alegar ignorância. Investe numa estatal, oligopolista, que é regida por uma lei em que minoritários não têm direito a nada!

Sabem disso todos os grandes detentores de papéis da Petrobras, institucionais ou não, assim como qualquer corretor minimamente capacitado. Portanto, é no mínimo duvidosa a posição desses investidores quando dizem para todo mundo vender ações e que foram enganados, ou surpreendidos. Por quem? Não conheciam a lei? Não conheciam a realidade?

Lágrimas de crocodilo—e não me surpreenderia se os mesmos que ora contribuem com a queda dos papéis os recomprem na baixa. No mundo real, o investidor está mais preocupado com ativos do que com governanças.

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