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Aldo Rebelo

Recomendações contra o Brasil

Relatório enviado a Biden é programa para exercício de intervenção colonial

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Aldo Rebelo

Jornalista, é ex-presidente da Câmara dos Deputados e ex-ministro da Secretaria de Coordenação Política e Relações Institucionais; do Esporte; da Ciência, Tecnologia e Inovação; e da Defesa

“Não há colonialismo humano, não há colonialismo democrático.”
Samora Machel
Ex-presidente de Moçambique

O documento “Recomendações sobre o Brasil para o presidente Biden e o novo governo dos EUA” (“Recommendation on Brazil to President Biden and The New Administration”), elaborado pela “U.S. Network for Democracy in Brazil”, é a prova irrefutável da desorientação política e ideológica que tomou conta do país.

O sumário executivo das recomendações reúne dez itens da agenda de direitos humanos, ambiental e identitária com que o establishment norte-americano justifica suas ações intervencionistas em todo o mundo. Embora a rede que produziu o relatório seja uma iniciativa de acadêmicos e ONGs norte-americanas, conta com a participação e o apoio de personalidades e organizações do mundo “progressista” do Brasil, que trocaram as teses nacionalistas pela agenda cosmopolita e neomalthusiana dos países europeus e dos Estados Unidos.

O documento oferece o roteiro detalhado de como o novo governo norte-americano deveria adotar práticas de violação da soberania brasileira em assuntos como meio ambiente, questão indígena e Amazônia e interferir em pautas de política, ações afirmativas, segurança pública e até saúde. Capítulo especial é dedicado ao Centro de Lançamento de Alcântara (MA), projeto estratégico do Programa Espacial Brasileiro, acusado de violar direitos de famílias quilombolas.

O documento constitui um programa completo para o exercício de uma administração colonial a ser posta em prática sobre o Brasil pelo governo dos Estados Unidos com direito a restrições e sanções impostas às importações de produtos da agricultura, da pecuária e da indústria de madeira do Brasil —para a alegria dos produtores agrícolas da América do Norte e da Europa.

Os autores chegam ao ponto de listar as iniciativas contra o Brasil, entre elas congelar negociações de comércio bilateral, retirar o atual apoio à ascensão do país à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e fazer pressão sobre o financiamento de instituições financeiras para o setor de infraestrutura.

Em nome da justa preocupação com os direitos humanos e a democracia, os acadêmicos que subscrevem tais propostas perdem completamente a razão ao recorrer à mais clássica forma de violação dos direitos humanos e da democracia: a intervenção colonial.

A verdade é que se tornou lugar-comum no Brasil desorientado de nossos dias o apelo de grupos “conservadores” e “progressistas” ao intervencionismo dos Estados Unidos em favor de suas disputas no Brasil.

Passou ao anedotário diplomático o artigo do atual ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, sob o título “Trump e o Ocidente”, no qual ele atribui ao então presidente norte-americano a missão de salvar a civilização ocidental e seus valores, mesmo que o isolacionismo e o unilateralismo de Trump tivessem contribuído para fragilizar as alianças entre as nações ocidentais.

Sob o atual governo, o Brasil abdicou de sua tradicional política externa independente para fabricar conflitos em série com membros dos Brics —como com a China, no episódio da tecnologia 5G, e com a Índia, no caso das patentes para vacinas— e com os vizinhos da América do Sul para manter com os Estados Unidos uma aliança puramente ideológica, submissa e sem futuro.

O Brasil passou um período dividido pela Guerra Fria, pelas ambições geopolíticas dos Estados Unidos e da extinta União Soviética. Era a divisão de uma era, a divisão do mundo. Hoje é inaceitável que grupos de “direita” e de “esquerda” importem as agendas republicana e democrata e mergulhem o país em uma espécie de colonialismo partidário que renega a centralidade da questão nacional em benefício da guerra cultural e de costumes e imobiliza e bloqueia as energias materiais e espirituais da sociedade rumo ao futuro.

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