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Tunísia em suspenso

Em meio à crise, ato do presidente gera dúvida sobre estabilidade democrática

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Militares guardam área próxima ao Parlamento em Túnis, captal da Tunísia - Fethi Belaid/AFP

Nascedouro da Primavera Árabe, o movimento por liberdade e melhores condições de vida que varreu o mundo muçulmano no início da década passada, a Tunísia teve um destino diferente do das demais nações sacudidas pelos protestos.

Enquanto a Síria, o Iêmen e a Líbia eram devastados pela guerra civil, o Egito sucumbia numa contrarrevolução e os Estados do Golfo reprimiam duramente as manifestações, o país do norte da África foi o único que conseguiu realizar a transição para a democracia.

Essa conquista histórica encontra-se agora em risco após o presidente Kais Saied ter destituído o primeiro-ministro Hichem Mechichi e suspendido as atividades do Parlamento por 30 dias.

Chamada de golpe pela oposição, a decisão foi o zênite da crise política, econômica e sanitária que se desenrola no país. Eleito em 2019 como candidato independente, Saied vinha desde então numa disputa por espaços de poder com o premiê.

A difícil situação da economia elevou a tensão social. Com a pandemia, a indústria turística tunisiana, uma das principais fontes de renda, entrou em colapso. O Produto Interno Bruto encolheu quase 9% no ano passado, e o desemprego alcança 18% da população.

Houve, ademais, falhas no combate à Covid-19. A Tunísia amarga a mais elevada taxa de mortes por milhão dentre os países da África e do Oriente Médio, e um novo pico de casos vem sobrecarregando o sistema de saúde.

Esse caldeirão entornou no final de semana, quando protestos eclodiram em diversos pontos do país, e sedes do Ennahda, o partido islâmico moderado que detém maioria no Parlamento, foram atacadas.

Valendo-se da situação, Saied agiu com base numa controversa interpretação do artigo 80 da Constituição tunisiana, que permite ao presidente adotar medidas excepcionais em caso de “perigo iminente” que ameace a a segurança e a independência do país. A medida, porém, só poderia ter sido tomada após consulta ao premiê e ao chefe do Parlamento.

Como se não bastasse, o órgão responsável por decidir sobre a legalidade do ato do presidente, o Tribunal Constitucional, até hoje não foi criado, por discordâncias acerca da escolha de seus membros.

Nessa conjuntura delicada, é fundamental que as lideranças recuperem o diálogo e o consenso político que fizeram a democracia possível —mas, agora, para salvá-la.

editoriais@grupofolha.com.br

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