Para falar de golpe, mídia não pode ignorar quem está disposto a cometê-lo

Jornalistas tentam entender que espaço devem dar para vozes que confabulam uma possível ruptura

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Anna Virginia Balloussier

Repórter especial, está na Folha desde 2010, passando por diversas editorias. De 2013 a 2014, assinou o blog Religiosamente. Em 2016 foi correspondente do jornal em Nova York. Escreveu o livro “Talvez Ela não Precise de Mim: Diários de uma Mãe em Quarentena” (ed. Todavia)

São Paulo

Ok, vamos falar de golpe. Jair Bolsonaro não esconde as suas intenções de bagunçar o coreto democrático no próximo 7 de setembro. O presidente já rubricou um “save the date” para dois atos a seu favor que não descartam nem intervenção militar.

Em Brasília e São Paulo, como criou gosto por dizer, jogará “nas quatro linhas da Constituição”. Bolsonaro não é um bom aluno de geometria constitucional, mas tem senso de oportunidade histórica.

A grande mídia, expressão que se adequou por décadas aos veículos de imprensa que falavam com as massas, precisa fazer mais furos no cinto.

Reduziu medidas de uns anos para cá, cortesia sobretudo das redes sociais. Enquanto isso, de domingo a domingo, é sempre uma terça livre para protojornalistas apostarem na marcha à ré da pós-verdade.

Ok, como falar de golpe? Os próceres do bolsonarismo não estão de todo errados quando dizem que a mídia profissional não digeriu bem a perda do domínio sobre quais informações circulam pela sociedade.

Enquanto a bile autoritária corrói entranhas virtuais, jornalistas sérios tentam entender que espaço devem dar para vozes que confabulam uma possível ruptura institucional.

Uma coisa é certa: elas chegarão a milhões de “tias do zap”, queiram eles ou não. A missão de combater chistes antidemocráticos é como conter o Atlântico com um rodinho de pia.

Ok, e com quem vamos falar de golpe? Entrevistar quem escancara sandices do Executivo nunca é demais, mas é importante não cair na armadilha da câmara de eco, na qual as mensagens só atingem quem já as assimilou faz tempo.

Quando eu era jovem, não uma anciã de 34 anos que já acompanhou três eleições presidenciais pelo jornal, trabalhava numa revista e sugeri uma reportagem —crítica— com um pastor que, anos depois, viraria o gelo da Coca-Cola bolsonarista.

Sem jamais endossar absurdos, a motivação era investigar uma indiscutível referência para evangélicos, fatia da população que nunca foi bem compreendida por Redações que até hoje têm presença bissexta de repórteres dessa fé.

Um colega se horrorizou e engavetou a ideia. A publicação eventualmente faliu.

É um desserviço limar do noticiário o discurso que soa golpista. Simplesmente porque, tal qual erva daninha, ele vai germinar longe dos olhos de quem prefere distância dele —e se surpreende quando, em vez de sumir só porque você fechou os olhos e chamou sua mãe, ele ganha eleições de forma legítima para, uma vez no poder, tentar implodir a democracia por dentro.

Ok, vamos falar de golpe. Ouvindo todos os lados com isenção, mas, quando necessário, deixando claro quem são os pinóquios do debate. Até porque haja cara de pau.

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