O incontrolável furor autoritário do governo Jair Bolsonaro perpetrou mais um ataque à liberdade de expressão no terreno da cultura, área tratada de maneira hostil pelos apoiadores do presidente desde a campanha eleitoral.
Na semana passada, o secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciuncula, publicou portaria na qual veta o uso da chamada linguagem neutra em projetos financiados com os incentivos fiscais regulados pela Lei Rouanet.
Como se sabe, desenvolveram-se nos últimos anos em vários países fórmulas para substantivos, adjetivos e pronomes que contemplem pessoas não binárias, que não se identificam com os gêneros masculino e feminino. Tais expressões, inicialmente restritas a poucos círculos, vêm ganhando espaço crescente na mídia e em produções culturais.
Controversa, a estratégia da linguagem neutra desperta acalorado debate entre os que a veem como uma espécie de agressão ao vernáculo e os que consideram a língua como organismo vivo e dinâmico, que não deve ser impermeável a novas circunstâncias e demandas sociais.
Os argumentos de Porciuncula para embasar sua decisão beiram o grotesco: "Entendemos que a linguagem neutra (que não é linguagem) está destruindo os materiais linguísticos necessários para a manutenção e difusão da cultura. E submeter a língua a um processo artificial de modificação ideológica é um crime cultural de primeira grandeza", disse ele numa rede social.
Capitão da Polícia Militar da Bahia e braço direito do secretário da Cultura, Mario Frias, ele contou com o respaldo do chefe, para quem a linguagem neutra "é mera destruição ideológica" da língua.
A pantomima dos inspetores culturais bolsonaristas mereceu também o apoio do presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que parabenizou Frias pela decisão. "A famigerada linguagem neutra é imposição ideológica de uma minoria doutrinada e arrogante, inimiga da cultura e da inteligência", declarou.
Cada um tem direito de achar o que quiser sobre o uso do novo vocabulário, e o debate sobre o assunto vem se travando em âmbito internacional. Nada, porém, justifica proibir a utilização de tais expressões na produção cultural. A portaria de Frias e Porciuncula constitui flagrante agressão à liberdade de expressão e precisa ser revogada.
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