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Luciana Temer

Meninas, educação sexual e a economia brasileira

Gravidez precoce, muitas vezes recorrente, afasta jovens da escola e do trabalho

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Luciana Temer

Advogada, professora da Faculdade de Direito da PUC-SP e presidente do Instituto Liberta

O que US$ 3,5 bilhões a menos na economia do país têm a ver com esta segunda-feira (11), Dia Internacional das Meninas, com 18 de maio, Dia Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, e com 26 de setembro, Dia Mundial de Prevenção da Gravidez na Adolescência?

Segundo relatório do Banco Mundial, tudo a ver. Então, vamos conectar os temas. No Brasil, 1 em cada 7 bebês nasce de mãe adolescente. Assustador, não? Em 2019 registramos o nascimento de 19.330 filhos de mães que tinham entre 10 e 14 anos —portanto, do ponto de vista legal, estupradas. Para além dos nascidos, temos uma média de 6 abortos realizados por dia em meninas de menos de 14 anos. Se fizermos a conta, são 21.520 meninas de menos de 14 anos grávidas por ano, o que equivale a mais de duas meninas (estupradas) engravidando por hora.

Não precisaria de muita pesquisa para entender as consequências disso, mas há. O Relatório do Fundo das Nações Unidas para a População 2020 (UNFPA) explica que mães adolescentes tendem a abandonar os estudos, dado este confirmado pelo IBGE, que mostra que 6 entre 10 delas não trabalham nem estudam. A situação se agrava quando verificamos que a taxa de gravidez recorrente entre adolescentes é de 29,1%, como nos informa o site da Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia.

Essa realidade impacta a vida das meninas e seus filhos, mas também a economia brasileira, que pode ter perdido US$ 3,5 bilhões em função desse quadro (“Measuring the economic gain of investing in girls: the girl effect dividend”; Jad Chaaban e Wendy Cunningham).

Como reverter essa situação? Sem dúvida é um problema complexo e multifatorial, mas, se quisermos mesmo enfrentá-lo, temos que pensar numa ação eficaz nas escolas.

Muito recentemente foi divulgada a quarta edição da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense – 2019), realizada pelo IBGE. A pesquisa, entre outras questões, procura traçar um panorama da saúde sexual e reprodutiva de estudantes de 13 a 17 anos matriculados em escolas públicas e privadas. Foram analisadas as respostas de 125.123 alunos e alunas, que nos revelam o seguinte: 35,4% já tiveram relação sexual, sendo que a média da primeira relação é de 13,4 anos entre meninos e 14,4 anos entre meninas.

Das meninas que já tiveram relação sexual, 7,9% engravidaram, sendo esse percentual muito maior na rede pública. Dentre os entrevistados, 14,6% afirmam que já foram tocados, manipulados, beijados ou tiveram o corpo exposto contra sua vontade, sendo que a maioria esmagadora são meninas. Neste item, a diferença entre alunas da rede pública e privada não é significativa, mas os números da rede pública ainda são prevalentes. As meninas também representam maioria entre os 6,3% adolescentes que declaram que já foram obrigados a manter relação sexual.

Quando se busca pelo autor da violência, 32% são pai, padrasto, irmão ou outro parente; 26,1% namorados e 17,7% amigos. Questionados sobre educação sexual na escola, a maioria se lembra de já ter recebido orientações sobre DST (82,1%), prevenção da gravidez (75,5%) e aquisição gratuita de preservativos (67,6%), sendo que os grupos foram divididos em dois: os menores (13 a 15 anos) e os maiores (16 e 17 anos). É o grupo dos maiores que mais se lembra de já ter ouvido essas falas. Parece-nos que aqui temos duas reflexões a fazer: a primeira é que, ao que tudo indica, o que se tem hoje como educação sexual nas escolas ou está chegando tarde ou mal. A segunda é que, sem tirar o mérito dessa importante pesquisa, a maior parte das 21.520 meninas que deram à luz antes dos 14 anos está sendo ignorada, já que o levantamento tem como corte inicial 13 anos de idade.

Enfim, é urgente repensarmos a forma de lidar com questões de sexualidade e relações saudáveis nas escolas. E é preciso começar desde cedo, com crianças muito pequenas, para evitar e estacar aos altíssimos níveis de violência sexual infantil hoje existentes; seguir com os adolescentes, para evitar a gravidez precoce, que no Brasil está acima da média mundial; e, por fim, para fortalecer meninas e melhorar a economia do país!

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