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Carol Pires

Nada sobre a fome, tudo contra mulheres

Câmara realizou seminário para ouvir apoiadores do Estatuto do Nascituro

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Carol Pires

Jornalista e roteirista, é mestre em estudos latino-americanos pela Universidade Columbia (EUA)

A nova lei sobre aborto no Texas —a mais restritiva dos Estados Unidos— animou os reacionários brasileiros. Na última sexta-feira, as comissões de Seguridade Social e Família e de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados realizaram um seminário para ouvir apoiadores do Estatuto do Nascituro, projeto pautado pela deputada bolsonarista Chris Tonietto (PSL-RJ).

O advogado Ives Gandra foi um dos ouvidos. Sua argumentação merece entrar para os anais da desonestidade: “Todos aqueles que defendem o aborto garantem a vida à tartaruga desde a concepção. As tartarugas têm um tratamento melhor do que os seres humanos. [...] Dizem eles que podemos fazer aborto porque o ser humano não é uma espécie em extinção, mas não a tartaruga, porque a tartaruga não pode correr o risco de extinção, temos que dar mais direitos à tartaruga do que ao ser humano. Considerem pelo menos o nascituro igual a uma tartaruga”.

O Estatuto do Nascituro proíbe a interrupção da gravidez em qualquer situação. Mesmo as que forem fruto de estupro. Mesmo quando a genitora corra risco de morte. “O que nós queremos é que nenhuma mulher, de fato, aborte”, disse a deputada.

Mulheres vestidas com roupas em referência à série 'The Handmaid's Tale' protestam contra projeto de lei antiaborto no Texas
Mulheres com roupas em referência à série 'The Handmaid's Tale' protestam contra projeto de lei antiaborto no Texas - Sergio Flores - 29.mai.21/Getty Images/AFP

Segundo levantamento do Cfemea, 100% dos projetos de lei sobre este assunto apresentados na Câmara este ano são contrários ao aborto. A bancada pró-mulher está na defensiva por receio de que debates civilizatórios sejam deturpados. A própria Tonietto apelidou sete propostas de combate à violência contra a mulher de “pacotão do abortoduto” por ver em expressões como “atendimento de emergência às mulheres” e “saúde sexual e reprodutiva” eufemismos para aborto.

O seminário da Câmara soa como um prenúncio de que, sem ter o que dizer sobre a fome e o aperto dos brasileiros, Bolsonaro usará mais uma vez o alarido dos disseminadores do pânico moral como discurso de campanha. Fingirá se importar com a vida de quem sequer nasceu para ocultar os 600 mil que morreram.

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