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Maria Isabel Couto

Ação rápida do Supremo pode salvar vidas

Espera-se que a corte restrinja ações policiais em favelas do Rio de Janeiro

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Maria Isabel Couto

Diretora de Programas do Instituto Fogo Cruzado, é doutora em sociologia pelo Iesp/Uerj

No estado do Rio de Janeiro, não é somente a Covid-19 que aterroriza a população das favelas. A violência armada, em grande parte com presença policial, também é uma preocupação constante, tão ou mais real que a gravíssima crise sanitária que impacta o mundo.

Casos não faltam, como o de João Pedro, um adolescente negro de 14 anos que estava em casa, cumprindo a quarentena, quando foi morto durante uma operação das polícias Civil e Federal em São Gonçalo, em maio de 2020.

O Ministério Público Federal, responsável por fiscalizar as ações da PF, pediu então que só fizessem operações urgentes, com planejamento cuidadoso focado na preservação da vida dos moradores.

No mês seguinte, o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão histórica, alinhada com essa solicitação. O ministro Edson Fachin aprovou em caráter liminar a ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) 635, conhecida como a ADPF das Favelas, que tem efeito de restringir as operações policiais não emergenciais e não planejadas no Rio de Janeiro.

O impacto foi imediato: nos primeiros dias de vigência da ​ADPF 635, o número de operações policiais nas favelas teve a maior queda dos últimos 14 anos. Como consequência, as mortes em operações policiais caíram 72%, segundo o Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense). O Instituto Fogo Cruzado registrou, em junho de 2020, o menor número de tiroteios com a presença de agentes de segurança em serviço em cinco anos (41).

Diante de resultados tão expressivos, em agosto do ano passado o STF confirmou em plenária a manutenção da ADPF 635 durante toda a pandemia. Apesar disso, informações do Geni e do Fogo Cruzado mostraram, um mês depois, que as forças policiais fluminenses começaram a confrontar a decisão do Supremo e retomaram as ações nas favelas com todo fôlego a partir de janeiro de 2021. Os riscos alardeados pelos especialistas ficaram evidentes durante a audiência pública no STF, em abril, para discutir os efeitos e limites da ADPF das Favelas. Em maio, o mundo testemunhou a maior chacina da história da polícia fluminense, no Jacarezinho, que resultou na morte de 28 pessoas, entre elas um policial civil.

A afronta ficou clara na voz dos policiais durante entrevista coletiva após a chacina, dizendo que o STF impedia a polícia de trabalhar, e, mais tarde, quando o governo do estado colocou as informações sobre a operação no Jacarezinho e outras feitas durante a pandemia em sigilo por cinco anos. No mês passado, o Ministério Público denunciou alguns dos policiais por fraude processual.

A chacina mobilizou o relator Edson Fachin a agilizar a votação de novas medidas dentro da ADPF 635. Mas o avanço foi breve. Na sessão seguinte, o ministro Alexandre de Moraes pediu mais tempo para estudar o tema, e o julgamento está suspenso desde então.

Enquanto o tique-taque do relógio bate e os ministros da corte não retomam a pauta, finalmente com data marcada para o próximo dia 25, os números da violência armada crescem. O Fogo Cruzado já registrou nestes sete meses 77 mortes e 131 feridos em favelas do Grande Rio durante ações e operações policiais. A morosidade do Supremo está custando vidas. Mas quem se importa?

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