Por duas vezes estive na África do Sul (2009 e 2011). Da primeira vez, vi um país em regozijo às vésperas da Copa do Mundo, com ruas movimentadas, devido a abundância de emprego e forte circulação de moedas de todo o mundo. Da segunda, encontrei outro país, amortecido pela perda da Copa e pela alta taxa de desocupação. As ruas e esquinas espelhavam bem o retrato daquela desilusão.
Não fui a Soweto, esse lugar negro tão segregado, nem tive a oportunidade de visitar a Tutu House, a lendária casa de Desmond Mpilo Tutu, arcebispo e prêmio Nobel da Paz de 1984 sul-africano. Foram duas oportunidades únicas, hoje lamento tê-las perdido. Tutu e Nelson Mandela representam duas legendas poderosas de um Estado-nação, ainda com graves sequelas oriundas do apartheid. Se não é fácil vencer o medo, imagina vencer a violência de anos sobre corpos e mentes.
Soweto, até 1983, era uma localidade de Johannesburgo, quando então se transmuta de distrito a cidade. Verdade que as condições de ofensa e desigualdades não mudam do dia para a noite, pelo contrário. Com Mandela na prisão, Tutu se torna a voz da resistência, por integração e paz, sob um país denominado por ele como "arco-íris", numa tentativa hercúlea de pacificar e ordenar a vida pública, apesar da opressão do governo de minoria branca. Em 1984, veio-lhe a consagração: o prêmio máximo pelo reconhecimento de sua luta.
No dia 26 deste mês, o guerreiro de luz voltou para casa, em busca de merecido descanso. Desmond Tutu não é só um dos homens pretos mais importantes, o qual o mundo conheceu e a quem se curvou. Como Mandela, é o símbolo potente da sociedade sul-africana, sobretudo a negra. Todos nós choramos sua partida. Este raro filho da terra, exemplar único de semente que germina, pelos quatro cantos do planeta, foi herói.
Barak Obama, negro, ex-presidente dos Estados Unidos, referenciava-o como "um mentor", "uma bússola moral". Faz sentido. A lição de Tutu é um remédio para a alma.
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