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Autocrata em apuros

Erdogan faz aposta arriscada de política econômica heterodoxa para tentar manter seu poder em 2023

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Estudantes turcos protestam contra o presidente Tayyip Erdogan - REUTERS/Kemal Aslan

Quando chegou ao poder como premiê em 2002, Recep Tayyip Erdogan herdou uma hecatombe econômica na Turquia, que vira taxas de juros de 250% ao ano para tentar conter os preços.

Adotando políticas ortodoxas, conseguiu tirar o país da fase aguda da crise, o que somou-se a seu apelo ao eleitorado mais religioso e conservador no lançamento de um projeto de poder autocrático que ora se vê ameaçado.

O agora presidente da Turquia, após ter concentrado poderes e derrotado um golpe contra si em 2016, praticamente abriu guerra ao sistema financeiro internacional e às práticas consideradas de bom senso ao adotar uma agenda radical para enfrentar a crise que assola seu país desde a pandemia.

Em resumo, ele tem forçado o Banco Central turco a baixar as taxas de juros do país, mesmo com as ondas inflacionárias que varrem o mundo tendo atingido fortemente as costas turcas. Após flutuarem nos 19% durante boa parte do ano, os juros caíram para 14% agora.


Erdogan diz que isso irá dinamizar a economia e mitigar a inflação. Mas a realidade interveio, e os preços começaram a galopar, chegando a 36,1% no ano, o maior patamar em quase duas décadas.

Para piorar, a lira turca perdeu 45% de seu valor ante o dólar no ano, o pior desempenho no mundo. O governo bolou uma espécie de gatilho compensador para correntistas, tirando de suas reservas para garantir depósitos, o que é visto como suicida e insustentável.

O presidente parece querer emular Turgut Ozal, o premiê dos anos 1980 que desvalorizou a lira para fomentar exportações. Como Erdogan, ele tinha o Exército à mão para abafar queixas nas ruas, mas diferentemente do atual líder, contava com apoio irrestrito do Ocidente.

O presidente ainda tempera sua jogada com as usuais tintas islâmicas que tanto atraem críticas —a Turquia moderna é um projeto secularista dos anos 1920. Evoca a condenação do muçulmanismo à usura e chama juros de "pai e mãe dos males", de olho em sua base social mais aguerrida.

Pode dar ou não certo, embora os sinais sejam pouco encorajadores. Por todo o caráter autocrático de Erdogan, nos pleitos recentes a oposição ganhou em cidades vitais como Ancara, Istambul e Izmir.
No ano que vem, a disputa será presidencial. Exaurido o impacto de sua política externa agressiva, restou a Erdogan colocar todas as fichas numa aventura doméstica.

editoriais@grupofolha.com.br

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