Descrição de chapéu
Eugenia Moreyra

Bolsonaro e o presidente

Ele se faz de vítima do próprio governo, armadilha em que caímos diariamente

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Eugenia Moreyra

Jornalista

A imprensa, em geral, tem estampado manchetes como a que me chamou a atenção nesta Folha, na última sexta-feira (6): “Bolsonaro diz estar chegando hora de deixar Constituição, e Fux reage”. Não, não foi ele quem disse isso. Foi o presidente da República. E é assim que deve ser sempre nomeado, cobrado e julgado pelas grosserias diárias, insultos, ameaças e ofensas à democracia.

O presidente da República desrespeita o cargo de chefe da nação e, propositadamente, encena o papel de cidadão revoltado; vomita bravatas e impropérios com total falta de educação. Seu completo despreparo para o cargo é nítido, mas, ao tratá-lo como Bolsonaro, ele parece apenas um boçal, um miliciano de esquina com uma única e deplorável habilidade, a de grande farsante.

Bolsonaro é um político obscuro, oportunista, aquela pessoa que quer levar vantagem em tudo; para alguns, o “tiozão do churrasco”, pai de muitos zeros, que adora andar de moto, contar piada machista, histórias falsas para a claque do “cercadinho”, se lambuzar de leite condensado, comer um “x-tudo” na barraca da feira, disparar palavrões, desancar mulheres, bancar o durão, o corajoso e dormir ao lado de um revólver.

Trata-se de uma armadilha, na qual caímos todos os dias. Atribuímos os desmandos, os desastres permanentes do governo, a Bolsonaro. E é isso precisamente o que ele quer, ao se apresentar, até em cima de um cavalo, como cidadão indignado contra “tudo o que está aí”, bordão que usa repetidas vezes diante de todas as crises, escândalos e críticas, como se fosse vítima de seu próprio governo.

Foi assim que se elegeu, como o antipolítico, imagem que vendeu aos incautos. Porque ninguém é mais sistema do que ele, um deputado que mamou por 28 anos o dinheiro público sem apresentar um único projeto —ou melhor, apresentou dois, sem relevância nenhuma. E ainda perpetuou a mamata com os filhos, apropriadamente identificados como zeros e suas “rachadinhas”.

Ao criar essa persona “popular”, aglomerar no meio de apoiadores sem máscara e usar uma linguagem chula, mas palatável, ele acaba por conseguir se descolar do cargo e não é cobrado como deveria pelo papel que a Presidência da República lhe impõe: responsabilidade, seriedade e respeito às leis e instituições. Isso é o mínimo, o que jurou cumprir ao ganhar as eleições.

Não podemos esquecer que Jair Bolsonaro é o presidente. Foi eleito democraticamente —pelas urnas eletrônicas, que agora tanto condena— e é o responsável, exatamente, por “tudo isso que está aí”. Arrota que não abre mão de sua autoridade, que quem manda é ele, que o Exército é dele e recorre a uma série de inverdades; ameaça que, sem o voto impresso, não haverá eleições. E acusa a todos, como Bolsonaro, pela incompetência prepotente que é só dele, como presidente.

Um presidente que nunca esteve à altura do cargo, nunca teve a altivez que Bolsonaro certamente nem sabe o que significa. É ele —o presidente da República— o maior culpado pelas quase 600 mil mortes na pandemia, pela falta de vacinas, pela corrupção no Ministério da Saúde, pelos recordes de desmatamento na Amazônia, pela volta do país ao mapa da fome, pelo desemprego, pelo descaso com a cultura; enfim, pelo desmonte de um Brasil que não merecia um presidente que tudo nega.

É urgente nomeá-lo exatamente pelo título que ainda detém: quem nos destrói um pouco mais a cada dia é o presidente da República. Quem xinga ministros do Supremo, diz que “caga” para a CPI da Covid e faz intimidações golpistas é o presidente da República, infelizmente eleito.

E, felizmente, embora tardias, as recentes reações do Judiciário, do Legislativo, das mais diversas representações da sociedade civil, de ex-presidentes e as manifestações populares mostram que o Brasil parece ter descoberto a diferença. A responsabilidade não é só de Bolsonaro, militar fracassado e incendiário que se diz democrata e ameaça a própria democracia. É, principalmente, do presidente da República Federativa do Brasil, o chefe da nação. A máscara caiu, e nenhum deles está acima das leis.

Um será sempre o capitão miliciano, obtuso e ignorante. Mas o outro precisa ser destituído com urgência por não honrar a faixa de presidente.

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