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Joseti Marques

Comunicação pública agoniza, mas não morre

Comitê pode proteger Empresa Brasil de Comunicação de proselitismo político

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Joseti Marques

Jornalista e doutora em comunicação e cultura pela UFRJ, foi ouvidora-geral da EBC (Empresa Brasil de Comunicação) por dois mandatos e atualmente preside a Organización Interamericana de Defensoras y Defensores de las audiencias (OID)

A decisão da 6ª Turma do Tribunal Regional da 2ª Região, em novembro, sobre ação civil pública movida em face da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e da União, foi uma vitória parcial, mas os embates jurídicos revelam caminhos ainda possíveis na saga em defesa da comunicação pública no Brasil.

Na ação, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF-RJ) pediu a anulação de portaria editada pela EBC, em abril de 2019, que fundiu os canais públicos (TV Brasil) e estatal (TV NBR). Com isso, o governo passou a transmitir indiscriminadamente conteúdos na TV pública. A TV Nacional do Brasil (TV NBR) foi inaugurada em junho de 1998 para transmitir atos do governo federal. Com a criação da EBC e a implantação dos veículos públicos de comunicação, em 2007, a programação da TV NBR passou a ser produzida como prestação de serviços paga pelo governo federal, feita de forma separada.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) na Festa da Uva, em Caxias do Sul (RS): evento foi transmitido pela TV Brasil - Tv Brasil - 7.dez.21/Reprodução

O argumento do juiz para negar provimento a esta demanda, de separação dos canais, foi de que não há como segregar publicidade de ações do governo de conteúdo público; acreditem: "Anote-se, inicialmente, a evidente zona cinzenta existente na fronteira entre tais espécies de conteúdo, o que torna árdua a classificação".

O MPF-RJ apelou, argumentando que, por óbvio, não se poderia permitir misturar alhos e bugalhos. "Ora, se a tarefa de identificar e distinguir a natureza "estatal" ou "pública" de cada programa é tarefa hercúlea até para o Estado-juiz, que dirá para o telespectador comum, a quem passa a ser impossível separar a propaganda governamental camuflada e amalgamada ao conteúdo de produção independente."

Não é preciso muito mais do que acompanhar a programação da TV Brasil para distinguir o que é público, por exemplo, do que seja comunicação de Estado e que, ao final e ao cabo, acaba sendo mesmo é proselitismo político, vedado pela própria lei da EBC. Mas quando não se tem clareza do que sejam emissoras públicas, a quem cobrar a lei?

Só em 2019, a partir da entrada em vigor da portaria que uniu as duas emissoras, as interrupções na grade da TV Brasil para eventos com Jair Bolsonaro somaram 51h44min01s, com 90 transmissões ao vivo. As interrupções da grade da TV Brasil, inclusive no horário de programas infantis, somaram 78h37min04s em 2021. São comuns formaturas de escolas militares, cultos e inaugurações de obras com direito a showmício —em um deles foi exibida camiseta com o slogan "Bolsonaro 2022". A "live da fraude eleitoral" do dia 29 de julho, desacreditando o sistema eleitoral brasileiro, ocupou 2h07min50s da grade.

No embate, na Justiça, duas outras demandas do MPF foram acolhidas: a manutenção da unidade do Maranhão como produtora e radiodifusora —depois de ter sido fechada— e a implantação do Comitê Editorial e de Programação, também previsto em lei.

De autoria do governo Michel Temer, a criação do comitê foi uma espécie de paliativo para minimizar a extinção do Conselho Curador. Embora o novo órgão seja "figurativo", sem capacidade de representar a sociedade civil e sem instrumentos para, de fato, fiscalizar o conteúdo da EBC, o comitê ressurge como frágil mas possível forma de resistência contra as excrescências do governo Bolsonaro. A começar pela forma de escolha de seus 11 membros, que deverá ser através de lista tríplice indicada por entidades representativas da sociedade civil.

Sim, é pouco, é frágil. Mas, parafraseando o samba do inesquecível Nelson Sargento, a comunicação pública agoniza, mas não morre.

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