Entreouvido por aí

Retorno à vida em comum após dois anos de quarentena tem lá suas vantagens

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Clara Balbi

Na Folha desde 2018, é editora-assistente da Ilustrada.

O retorno à vida em comum depois de dois anos de quarentena tem lá suas vantagens. Mas, para quem é curioso por definição, para não falar enxerido, a mais saborosa delas talvez seja a possibilidade de entreouvir conversas alheias na rua.

Não é bem fofoca, vale notar, para aqueles preocupados com o quanto isso edifica —mesmo que a fofoca, como lembra Henry Jenkins em seu "Cultura da Convergência", nada mais seja que "um modo de falar de si mesmo por meio de críticas às ações e aos valores alheios". A informação será passada adiante na maioria das vezes como anedota, sem nomes, sobrenomes e julgamentos morais. Ou só um pouco do último.

Clientes em restaurante no Rio - Wang Tiancong - 7.mar/Xinhua

Também não se trata de informações exatamente úteis. São frases soltas, em geral inofensivas. Mas que por vezes parecem petrificar um instante no tempo, traduzindo com uma exatidão inesperada o ethos de um país, ou o seu contexto político, econômico, cultural.

Brasil, 2022. Alguém conta que a mulher passou a beber cerveja porque a caipirinha está impossível com essa economia. Agora, bebe mais que ele. Outro narra a história de uma amiga que juntou dinheiro por meses para fazer compras no free shop. Voltou com um estoque de Vanish, único produto à venda lá. Um homem tenta explicar pacientemente à amada que ela não pode agendar uma consulta para 30 de fevereiro porque a data não existe.

São pedaços de vidas privadas que há pouco tempo só podiam ser descobertos em podcasts ou se compartilhados nas redes sociais. (Por anos, aliás, a revista O Globo manteve a seção "Entreouvido por Aí", com pérolas do tipo enviadas pelos leitores.)

Para quem lida com o mercado de notícias, ou simplesmente é frequentador assíduo das plataformas sociais, esses fragmentos também servem de fonte de esperança diante das centenas de comentários raivosos publicados por minuto. E um lembrete de que nos resta sim alguma capacidade de escuta do outro. Mesmo que seja só para contar um bom causo depois.

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