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Gustavo Dedivitis

O Brás contra a pirataria (e o estigma)

Chancela ética, selo mostrará que comércio popular não significa ser ilegal ou de má qualidade

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Gustavo Dedivitis

Presidente da Federação de Varejistas e Atacadistas do Brás (Fevabras)

As regiões do Brás e da rua 25 de Março, no centro da capital paulista, estão entre os maiores polos de venda ilegal e de produtos falsificados do Brasil e da América Latina, abrangendo eletrônicos, roupas, calçados e brinquedos, segundo o novíssimo estudo "Review of Notorious Markets for Counterfeiting and Piracy" (em tradução livre, "Análise de Mercados Notórios em Falsificação e Pirataria"), realizado pelo United States Trade Representative (USTR), agência vinculada diretamente ao gabinete do presidente da República, responsável por desenvolver e promover a política comercial dos Estados Unidos.

O relatório, divulgado em fevereiro último, corrobora os dados revelados no Índice de Economia Subterrânea (IES), produzido conjuntamente pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV): no Brasil, as atividades que operam à margem das legislações e regulamentações referentes às atividades formais atingiram em 2020 cerca de R$ 1,2 trilhão, o que representa 17,1% do PIB.

Seria até hipocrisia tentar negar isso, pois, infelizmente, é algo nítido ao se caminhar na região. Mas, embora visível no Brás, o maior polo de comércio popular da América Latina, essa triste realidade tem tudo para ser transformada, pois vamos começar a atuar em duas frentes distintas, mas que se completam: vamos combater a pirataria e o estigma.

A primeira frente, por incrível que pareça, é a mais fácil. O comércio do Brás vai usar a mesma arma que as maiores empresas de consumo do planeta, que lutam diariamente contra a pirataria, por meio da adoção de certificações e da aplicação de ferramentas de compliance.

Essa virada, que em breve poderá ser vista na prática, parte de um grupo de empresários que há anos atuam na região e estão organizados em torno da Federação dos Varejistas e Atacadistas do Brás (Fevabras). Em conjunto com a instituição Fibra Ética, a entidade lançará um selo com a expectativa de alcançar, inicialmente, mais de 15 mil lojistas da região.

Movimentação de ambulantes em rua da região do Brás, em São Paulo - Rivaldo Gomes - 5.mar.21/Folhapress

Poderão estampar o selo em seus materiais institucionais, como sites, folders, e-mails, vitrines de lojas, catálogos e embalagens as empresas auditadas e que estejam em conformidade com os preceitos e operações legais. Ou seja, o selo será uma chancela de organização ética, comprometida com a lisura e aderente aos padrões de conduta estabelecidos pelo mercado e pela entidade, que já realiza um trabalho contínuo em favor desses princípios na interação com o poder público e as marcas.

A oportunidade permitirá requalificar o varejo local, que atende comerciantes de todas as partes do Brasil. E abrirá espaço para que esses empresários possam sentar-se à mesa com representantes de grandes marcas para discutir, de igual para igual, soluções para o problema.

Em suma, vamos separar o trigo do joio, o que será fundamental para a segunda frente —esta sim será bem mais desafiadora: nos livrar do estigma de que só porque é popular ou comercializado em comércios populares, os materiais são falsificados, ilegais, de má qualidade ou ruins.

Esse estigma persegue a região há anos, mas é possível ser alterado. O selo é o primeiro passo, mas a ele vêm outras iniciativas que vão mostrar que popular não significa ruim ou ilegal, mas um representativo eixo de negócios que não pode ser negligenciado por grandes marcas, empresários e, claro, pela população.

A região é frequentada diariamente por milhares de pessoas, que circulam e fazem compras para si ou para revender. Alguns produtos comercializados possuem a mesma qualidade dos vendidos em lojas dos mais caros shoppings da capital paulista.

É preciso um forte trabalho educacional e de constante esclarecimento sobre essa realidade da região, assim como dos graves danos provocados por práticas predatórias.

Um bom exemplo desse trabalho educacional para qualificar ainda mais o comércio do Brás é o caso do calçadão que será construído na rua Tiers, com paisagismo, segurança e cobertura para proteger as pessoas do sol e da chuva.

O investimento na obra, que terminou recentemente a fase de prospecção do solo, é de R$ 15 milhões, com financiamento dos próprios empresários, que firmaram termo de cooperação com a prefeitura paulistana para a realização do empreendimento.

O combate ao estigma da região e aos produtos falsificados, piratas e ilegais é uma prioridade, pois esses crimes lesam os consumidores, as marcas, a indústria e, sobretudo, os comerciantes que trabalham na formalidade.

Não será fácil, mas demos o primeiro passo e vamos conseguir reverter essa realidade.

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