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Carta em dúvida

Proposta de Constituição enfrenta rejeição no Chile; políticas importam mais

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O presidente do Chile, Gabriel Boric - Jorge Villegas/Xinhua

Ficou pronta a versão final da proposta para a nova Constituição do Chile. Para vigorar, o documento precisa ser aprovado pela maioria dos eleitores num referendo marcado para o dia 4 de setembro. Aí começam os problemas para os entusiastas do processo constituinte.

Pesquisa do instituto Cadem divulgada no domingo (3) mostra que a peça seria rejeitada por 51%; 34% a chancelariam e 15% não souberam responder. Esses números contrastam com sondagem de fevereiro, que indicava 56% a favor da nova Carta e 33% contrários.

Vários elementos contribuem para a virada. O projeto provavelmente está à esquerda da opinião média dos chilenos, e isso não chega a ser uma surpresa.

A Constituinte surgiu na esteira da gigantesca onda de protestos de 2019 contra o governo direitista de Sebastián Piñera. No ano seguinte, o eleitorado votou por uma assembleia exclusiva, com paridade de gênero e espaço para as populações indígenas. Nesse contexto, o colegiado eleito teve acentuada maioria de centro-esquerda.

Os escolhidos escreveram uma Carta caudalosa. São 388 artigos, sem contar as disposições transitórias, o que a coloca entre as mais extensas do mundo. Encontra-se um pouco de tudo ali.

Há mudanças necessárias, como a reforma da Previdência —o Chile conta com um sistema de capitalização totalmente privado, que hoje atende mal um amplo contingente de idosos de baixa renda.

Outras normas são positivas, mas não precisariam estar na Constituição, caso da legalização do aborto, que costuma ser regulada por legislação infraconstitucional.

O texto apresenta ainda medidas de impacto imprevisível, a exemplo de alterações no sistema político, como a reformulação do Senado e uma forte descentralização administrativa. Não falta um certo populismo, como a gratuidade do ensino superior público.

Poucos chilenos se deram ao trabalho de ler a proposta ou ao menos de se informarem sobre ela em fontes confiáveis. Uma ampla campanha de fake news vem espalhando falsidades sobre a Carta.

Mais importante, Piñera deu lugar ao esquerdista Gabriel Boric, que já sofre um notável desgaste político —suficiente para contaminar a avaliação da Constituinte.

Faz sentido que os chilenos queiram se livrar do texto herdado da ditadura pinochetista. Mas, como o próprio país mostrou com o invejável desempenho econômico dos últimos anos, as políticas efetivamente adotadas importam mais que os princípios programáticos enunciados em Constituições.

editoriais@grupofolha.com.br

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