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Felipe Salto

Chegou a hora de mudar o pacto federativo

Não há planejamento e falta capacidade para qualificação das burocracias locais

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Felipe Salto

Secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo. Foi o primeiro diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente)

O governador Rodrigo Garcia (PSDB) tem afirmado que São Paulo colabora fortemente com a partilha de receitas tributárias. Recentemente, o economista Pedro Nery questionou essa posição. Recorreu a uma espécie de sentimento antipaulista. Melhor seria reconhecer: os recursos retirados de São Paulo se desmancham no ar, quando poderiam virar investimentos e programas sociais em todo o Brasil.

Em 2021, São Paulo arrecadou R$ 716 bilhões em tributos federais, a exemplo do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados. Contudo, recebeu de volta apenas R$ 47 bilhões. No argumento de Nery, as despesas previdenciárias e os gastos tributários provenientes de benefícios concedidos pela União em território paulista teriam de ser contabilizados.

Fábrica de brinquedos em São Paulo - Eduardo Knapp/ Folhapress

Em primeiro lugar, Previdência é responsabilidade constitucional da União. Segundo: se há mais atividade econômica e empregos aqui, o que explica o gasto maior com aposentadorias, é porque São Paulo adotou políticas de desenvolvimento acertadas. Usou bem os recursos que arrecadou, mesmo sem receber um tostão em termos líquidos. Gastos tributários são, em geral, incentivos concedidos por setor de atividade, não por critério geográfico, à exceção da Zona Franca de Manaus e de outros dirigidos ao desenvolvimento regional.

Vamos supor, porém, que o economista estivesse certo. Em 2021, os gastos previdenciários, em São Paulo, somaram R$ 203 bilhões. Os gastos tributários, R$ 117 bilhões. Assim, o desequilíbrio ainda seria de R$ 350 bilhões. O leitor atento pensaria: "tudo bem, a partilha de recursos é própria de regimes federativos".

Contudo, essa é apenas uma parte da história. Transfere-se uma montanha de recursos públicos sem destiná-los a políticas públicas apropriadas de infraestrutura e educação. Sem isso, não se reduz a dependência das regiões mais pobres.

Nos estudos que desenvolvi na Fundação Getúlio Vargas, no mestrado, constatei que a evolução do Fundo de Participação dos Estados (FPE), um dos principais mecanismos a viabilizar a partilha de receitas públicas, não reduziu a desigualdade entre as regiões. Não há planejamento e falta capacidade para elaborar projetos de investimento, treinamento e qualificação das burocracias locais.

O Congresso e o governo federal deveriam utilizar o arcabouço institucional e suas ferramentas para estimular o desenvolvimento das regiões mais pobres. Uma providência básica: a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) podria ampliar sua atuação para prover treinamento aos servidores dos estados menos desenvolvidos.

Vale dizer que, em muitas localidades, não se tem o básico para garantir uma gestão pública eficiente. Faltam servidores treinados.

São Paulo nunca se furtou a colaborar. Endosso, aqui, a visão do governador Rodrigo Garcia: é um equívoco apostar na ideia de que uma maior partilha de recursos seria produtiva para reduzir a desigualdade regional.

Falta planejamento em tudo. É preciso dividir com os estados e municípios o conhecimento e a experiência em gestão, orçamento e administração dos servidores federais. Outra ideia: vincular parte das transferências do FPE a compromissos dos estados com investimentos em infraestrutura e educação.

Mais uma: que tal transformar o Plano Plurianual, mecanismo de planejamento previsto na Constituição de 1988, em um programa de investimentos estratégicos selecionados pelo governo federal e pelos governos subnacionais?

Essas e outras medidas, como uma reforma tributária que leve o ICMS para o destino e acabe com os incentivos tributários concedidos a torto e a direito, são decisivas.

Finalmente, é preciso fortalecer a federação. Até hoje, o único colegiado de estados é o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que passa longe das questões estruturais. Além disso, perdeu muito poder nos últimos anos, tema para outro artigo.

Chegou a hora de mudar o pacto federativo e, em São Paulo, estaremos, como sempre, a postos para colaborar.


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