Recep Tayyip Erdogan jamais tivera tanta dificuldade em vencer uma eleição presidencial na Turquia. O autocrata precisou recorrer a medidas econômicas e favores eleitoreiros que devem provocar piora da grave crise inflacionária.
Sua campanha, em boa parte baseada em guerras culturais, contribuiu para divisão ideológica e regional ainda maior da sociedade.
Assim, bateu Kemal Kilicdaroglu, seu adversário centrista e mais laico, por 52,2% a 47,8% dos votos do segundo turno. Somados os anos como premiê e os do terceiro mandato presidencial que acaba de conquistar, terá permanecido 25 anos no poder.
A dúvida é em que condições poderá manter o projeto de fazer da Turquia uma potência regional.
O país cresceu em ritmo extraordinário desde que Erdogan chegou ao poder, em 2003. O nível de renda médio mais do que dobrou —hoje, é o dobro do brasileiro. A economia, porém, vive uma crise de superaquecimento, entre outros problemas, com inflação anual de 44%, déficit externo crescente e gasto público desordenado.
A fim de evitar desvalorização maior da lira turca, o governo intervém no câmbio e eleva a dívida em moeda forte, sujeitando o país a um colapso financeiro. Sua política é heterodoxa a ponto de reduzir juros a fim de conter a carestia.
Erdogan, com seu clientelismo e sua pregação nacionalista, conservadora e religiosa, conta com eleitorado fiel. Seu partido, Justiça e Desenvolvimento, é o que tem mais filiados, com grande enraizamento e capilaridade. A campanha contra liberdades democráticas não abalou seu prestígio entre mais de metade da população.
O presidente tem aliados relevantes. Condenou a invasão da Ucrânia, mas não aprovou sanções contra a Rússia. Vende armas aos ucranianos e os ajudou a escoar a produção agrícola, mas obtém energia e ajuda financeira russas.
Países petroleiros do Golfo também auxiliam Erdogan com financiamentos. Da Europa, recebe dinheiro para que contenha a corrente de imigrantes e refugiados de crises e guerras do Oriente Médio, em particular da Síria.
Membro da Otan, a Turquia barra por ora a entrada da Suécia na organização militar, mas deve trocar a aprovação do país escandinavo por ajuda militar americana. Erdogan é capaz de grandes barganhas, valendo-se da posição geoestratégica de seu país.
Apesar de protestos por vezes protocolares, EUA e União Europeia não têm interesse na queda do presidente turco —que, se tiver habilidade para conter a crise econômica, pode ter ainda um grande futuro autocrático pela frente.
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