Na legislação penal brasileira, a punição mais rigorosa, 30 anos de cadeia, é com razão reservada aos homicídios. Os efeitos pretendidos com a pena severa, contudo, terminam atenuados quando se constata que, na prática, o Estado vem falhando muito na tarefa de aplicá-la.
Uma nova pesquisa do Instituto Sou da Paz mostra que somente 37% dos assassinatos cometidos no país em 2019 foram esclarecidos até o fim de 2020. O desempenho foi pior que o do ano anterior, quando a taxa foi de 44%.
Em termos mundiais, segundo a Organização das Nações Unidas, a elucidação dos homicídios alcança em média 63% dos casos. Em países europeus, ela chega a 92%.
Se o resultado nacional segue decepcionante, a quinta edição da pesquisa ao menos mostra algum avanço na coleta dos dados dos estados, provenientes dos Tribunais de Justiça e do Ministério Público.
Pela primeira vez, todos os órgãos procurados responderam às solicitações do instituto. Somente oito estados enviaram dados incompletos, que não foram contabilizados nos resultados do levantamento.
O estudo mostra grande disparidade regional na resolução dos crimes. Rondônia (com taxa de 90%), Mato Grosso do Sul (86%) e Santa Catarina (78%) destacaram-se como os estados de maior eficiência. Na outra ponta figuram Pará (24%), Amapá (19%) e Rio de Janeiro (16%).
A impunidade de tantos homicídios veda o acesso à Justiça para familiares das vítimas dos crimes —em geral homens jovens e negros das periferias das grandes cidades.
A baixa capacidade de investigação e responsabilização tende a reforçar ciclos de violência, corrói a confiança da população nas leis e dificulta a adoção de estratégias mais efetivas para prevenção dos crimes.
Chama especial atenção o mau desempenho de São Paulo. O estado mais rico do país, que já chegou a ostentar 54% de homicídios esclarecidos, aparece na pesquisa mais recente com taxa de 34%, abaixo da média nacional.
A Secretaria da Segurança Pública contesta a metodologia do estudo e diz que a taxa foi maior, de 51%. Seu cálculo considera casos dados como esclarecidos pela polícia, mesmo que não tenham chegado ao sistema judicial em tempo razoável.
Envernizar estatísticas dificilmente contribuirá para diminuir o problema, como atestam os casos frequentes de pessoas inocentes processadas após reconhecimentos mal feitos e outras falhas cometidas pelos investigadores.
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