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O que a Folha pensa Auxílio Brasil

Fome politizada

Bolsonaro exibe seu despreparo ao tratar do tema social, em debate já aviltado

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Fila para o Auxílio Brasil em São Paulo - Rivaldo Gomes/Folhapress

Jair Bolsonaro (PL) acordou tardia e desastradamente para o debate em torno da fome no país —o que também ajuda a entender suas decisões erráticas a respeito das políticas de amparo aos mais pobres.

"Se for a qualquer padaria, não tem ninguém pedindo para comprar pão", chegou a declarar a um entrevistador amistoso. No debate entre os presidenciáveis, teve a chance de se aprofundar um pouco mais: "Alguns passam fome, sim, mas não nesse número exagerado", disse, aproveitando para falar do papel do Auxílio Brasil.

A defensiva não se limitou ao Bolsonaro candidato à reeleição. O Ipea, instituto federal de pesquisa econômica, foi mobilizado para rebater dados que apontam até 33 milhões de brasileiros sem ter o bastante para comer. Arranjou-se, num governo que nunca dera importância ao tema, uma projeção de queda da miséria neste ano.

Merece análise mais cuidadosa, de fato, a cifra que se converteu naturalmente em bandeira oposicionista. Ela contrasta, por exemplo, com os 15 milhões calculados em recente relatório da ONU para o período 2019-2021 no Brasil.

Não cabe discussão, porém, quanto à deterioração aguda do quadro social nos últimos anos, visível para qualquer um que frequente as ruas —ou padarias. A mesma ONU aponta que a parcela da população em situação de insegurança alimentar grave saltou de 1,9%, em 2014-2016, para 7,3% no triênio mais recente.

Houve piora em todo o mundo, devido ao impacto da pandemia; aqui, antes da Covid-19 já se acumulavam anos de desempenho econômico entre frágil e calamitoso.

Pobreza, fome e assistência social nunca estiveram entre as preocupações do bolsonarismo —a não ser para acusar de demagogia as administrações do PT. Em 2020, o governo andou a reboque do Congresso na criação do auxílio emergencial de R$ 600 mensais, valor agora restabelecido em base precária às vésperas da eleição.

Com tal retrospecto, não espanta que Bolsonaro tenha dificuldade em capitalizar eleitoralmente as dezenas de bilhões de reais despejadas em seu programa de seguridade necessário e improvisado. De modo análogo, faltam à sua gestão especialistas, estatísticas e experiência para lidar com o tema.

Perdeu-se na esteira da pandemia uma oportunidade preciosa de examinar o aperfeiçoamento do aparato de programas sociais do país, com equilíbrio orçamentário e abandono de ações ineficientes.

As semanas restantes de campanha eleitoral tendem a se concentrar numa corrida de acusações, números grandiloquentes e promessas. O vencedor do pleito, qualquer que seja, sofrerá para retomar a racionalidade no debate.

editoriais@grupofolha.com.br

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