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Luiz Guilherme Piva

Juros altos e crise nas startups

Há risco inerente, mas investidores desconhecem efetivo potencial

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Luiz Guilherme Piva

Economista, mestre (UFMG) e doutor (USP) em ciência política e autor de ‘Ladrilhadores e Semeadores’ (Editora 34) e ‘A Miséria da Economia e da Política’ (Manole)

No Brasil, segundo a ABVCAP (Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital), os investimentos em startups vinham crescendo muito: passaram de R$ 8 bilhões, em 2016, para quase R$ 50 bilhões, em 2021, com o número de aportes anuais saltando de menos de 100 para mais de 300. Só que 2022 está registrando um grande refluxo: no primeiro trimestre foram R$ 6,4 bilhões investidos em 41 aportes —e caindo.

Quem tem (juros reais altos à disposição)... Tem medo (de investir). É uma lição que está nos manuais econômicos com nomes como "preferência pela liquidez", "custo de oportunidade", "flight to quality" ou "farinha pouca, meu pirão primeiro".

Negócios de maior risco, como as startups, sofrem mais para captar em cenários de juros elevados —como o atual. Elas abrigam apostas dos investidores no crescimento futuro e precisam oferecer perspectivas melhores do que outros investimentos.

Trata-se da indústria de "venture capital", cujos benefícios para as startups são inegáveis: melhora a governança e a gestão das empresas, viabiliza produtos e serviços que atendem a lacunas do mercado, dá às investidas acesso ao mercado de dívida etc. Há muitos casos de sucesso, recentemente denominados de "unicórnios" (startups que atingem o valor de US$ 1 bilhão antes de abrir capital), com altos retornos aos investidores. Outro benefício é a inovação. Muitas empresas aportam em startups e obtêm ganhos de produtividade e avanços tecnológicos. É a chamada inovação aberta.

Mas, além do risco inerente, existe a assimetria de informações. Investidores desconhecem o efetivo potencial das startups. No mais das vezes, mitigam o risco diversificando a carteira, de modo que perdas em algumas sejam compensadas por ganhos em outras (quem sabe até num unicórnio, não é?). E também (como se ensina em Harvard, Princeton e no interior de Minas: "ganha-se dinheiro é na compra") rebaixando a avaliação inicial do ativo para assegurar, na saída (ou evento de liquidez; não confundir com cervejada), grandes retornos.

Quando os juros sobem, essa assimetria diminui no pior sentido: o investidor tem certeza de que não vale a pena entrar no negócio. Mesmo sabendo que, por necessidade de recursos agora escassos e por terem sua avaliação ainda mais degradada (os juros altos diminuem seu valor presente), as startups ficam bem baratinhas. É que, além de preferirem o caldo de galinha, eles temem a seleção adversa: empresas ruins que oferecem retornos fantásticos —e, claro, irreais.

Os investidores, neste período recente, têm visto isso ocorrer a um nariz diante de seus palmos vazios (o dinheiro está na renda fixa). Hoje as startups brasileiras têm tido maior dificuldade em captar. Quem tinha que ter fôlego para cerca de seis meses sem aportes está refazendo as contas para ficar na seca até o triplo desse prazo. A consequência imediata é o fechamento de várias delas —cuja mortalidade é alta mesmo em marés mais mansas— e a diminuição das maiores, principalmente na força de trabalho: no primeiro semestre, ao menos 2.000 funcionários de unicórnios (ou quase) foram demitidos, a maior parte em pacotes de 200 a 300 de uma só vez.

Nisso, não se vê inovação nenhuma. Nos manuais econômicos, nas "business schools", no interior de Minas e nas cervejadas sabe-se que a corda estoura sempre no lado mais fraco.

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