Descrição de chapéu
Marco Aurélio de Carvalho

A escolha nunca foi difícil (e agora muito menos)

Debate da Globo mostra que só há uma forma de derrotar o obscurantismo e reconciliar o país

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Marco Aurélio de Carvalho

Advogado especializado em direito público, é sócio fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, membro do Sindicato dos Advogados de São Paulo e coordenador do Grupo Prerrogativas

Em rápidas linhas, há de se dizer que o país teve, no debate da TV Globo desta quinta-feira (29), mais uma oportunidade de confrontar os "brasis" possíveis. De um lado, o ódio e o rancor. A incompetência, a vilania, a mentira e o despreparo. De outro, o amor e a esperança. A capacidade de ouvir e de escutar.

Os vencedores, além daqueles que dormiram e não assistiram e do próprio mediador, foram os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Simone Tebet (MDB). Os demais, de forma patética e constrangedora, orquestraram um ataque vil e de muito baixo nível contra o primeiro colocado em todas as últimas pesquisas eleitorais.

Candidatos à Presidência da República durante debate realizado na TV Globo - Ricardo Moraes/Reuters

Não podíamos ficar quietos diante de agressões como as do Padre Kelmon (PTB). Ele bem que poderia sumir com os tais balões. Lula tinha mesmo que responder: "Só defende a honra quem tem". Vamos vencer as eleições e virar esta triste página da nossa história.

Ao que nos interessa realmente…

Uma das perguntas mais recorrentes de jornalistas a Nelson Mandela era se ele sentia rancor depois de 27 anos preso, encarcerado por um regime que perseguia e assinava o seu povo.

O ódio turva a mente. Os líderes não podem se dar ao luxo de odiar, ensinava Mandela, conforme mencionado em um perfil do jornal El País, publicado logo após a morte do político sul-africano. De fato, ao ser eleito presidente, Mandela formou um governo de amplo espectro, inclusive com atores políticos do antigo regime opressor. Atuava com grande desenvoltura nas articulações e mostrava, habilmente, ser capaz de fazer concessões, sem apegos dogmáticos e, ao mesmo tempo, sem ceder aos seus princípios. Como estadista, abraçou a pacificação do país como objetivo estratégico, estimulando a inclusão da maioria negra e cultivando o sentimento de pertencimento, inclusive via esporte, como narra o filme "Invictus" (2009).

O apelo ao entendimento —tão frequente na política— está materializado, hoje, na candidatura Lula-Alckmin. A perspectiva alvissareira de vitória da chapa nas eleições presidenciais torna o convite um ponto de inflexão para atores sociais relevantes em nossa vida institucional.

Três partidos políticos tradicionais e um grupo social bem organizado —a elite do empresariado brasileiro— têm nas mãos, hoje, a chance da transformação. Entrar na história, triunfante, pela porta da frente, é destino de quem consegue "dar a volta por cima" e compreende de que lado da história deve ficar.

O MDB, por exemplo, que desafortunadamente abraçou o golpe jurídico-parlamentar em 2016, pode começar a se reconciliar com o partido da transição democrática dos anos 1980. Vale recordar que antes do fim do bipartidarismo, em 1979, a legenda abrigou diversos quadros políticos que vieram do exílio. Alguns, inclusive, contribuíram para a formulação do programa da sigla, como o ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, José Serra, ligado ao grupo católico conhecido como Ação Popular (AP), e Fernando Henrique Cardoso.

O PSDB, outro partido igualmente relevante na história recente do país, tem nas mãos a chave da reparação. A própria figura de um ex-integrante orgânico do ninho tucano, hoje ao lado de Lula, sinaliza a urgência de escolhas e o grau de responsabilidade que recai nesta conjuntura delicada para a democracia e para a estabilidade econômica.

Geraldo Alckmin, Franco Montoro, José Serra, Bresser-Pereira, Fernando Henrique Cardoso, Mario Covas e outros dissidentes do MDB fundaram o Partido da Social Democracia Brasileira em 1988. Escolhido vice por Mario Covas na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, em 1994, Alckmin foi o político que por mais tempo (16 anos) comandou o estado de São Paulo desde a redemocratização do Brasil.

Hoje no PSB, Alckmin, na comparação com o futebol, surge como um dos craques talentosos de um time rival que acaba sendo contratado pelo principal adversário. Não é à toa. Longa experiência política e 16 anos no comando do estado de maior relevância econômica do país conferem robustez a qualquer equipe.

O PSDB, portanto, está convidado para um ato de ressignificação que pode virar as tristes páginas inauguradas em 2014 (quando questionou até mesmo as urnas eletrônicas) e resgatar as bandeiras dos tempos primórdios: nada mais, nada menos do que a intransigente defesa da democracia e a busca por um estado de bem-estar social. Pode, também, se afastar em definitivo do governo que ajudou a eleger e que deixou no país um rastro triste de destruição e de miséria.

E ao que parece, tem a exata dimensão deste desafio. Para a alegria de todos, figuras como José Gregori, José Carlos Dias, Belisário dos Santos Jr. e Aloysio Nunes já anteciparam a escolha pela civilização contra a barbárie e o autoritarismo.

O PDT, por sua vez, pode se reencontrar. Diversas lideranças do partido trabalhista, e alguns de seus filiados mais antigos, seguiram o mesmo caminho.

Quanto ao empresariado nacional, a elite recebe o mesmo apelo de reparação. Até porque – dos bancos às grandes corporações industriais, do comércio ao agronegócio – todos os setores empresariais usufruíram anos de prosperidade nos governos Lula e Dilma Rousseff (PT), além de canais permanentes de diálogo.

Breve registro histórico: naquele período, o Brasil alcançou o posto de sexta maior economia do mundo; atualmente, encontra-se na 12ª colocação no ranking. Acumulou mais de US$ 370 bilhões em reservas, gerou milhares de empregos, distribuindo renda e oportunidades, e cresceu de forma sustentada e sustentável em uma média anual nunca antes atingida por nenhum outro governo (mais de 4% em todo o ciclo dos nossos governos, com um pico de significativos 7%).

O país viu, também, o empoderamento de uma nova classe média com alto poder de consumo, e a erradicação da fome e da miséria que hoje voltaram a assolar a vida de mais de 35 milhões de brasileiros e brasileiras.

Chegou a hora de o empresariado romper o silêncio ensurdecedor. Chegou a hora de apostarem no valor do trabalho, na economia sustentável, inovadora e inclusiva. O caminho já foi apontado por Ricardo Semler, ex-vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em artigo recente nesta Folha ( "Às armas, companheiros", 12/3/22): é hora de os empresários se unirem para evitar o pior. No texto, o empresário defende o voto em Lula e alerta para o risco de o Brasil virar "pária internacional" caso o atual presidente permaneça no Palácio do Planalto.

Ao lado do setor produtivo nacional, PMDB, PDT e PSDB podem dar uma resposta de grandeza e amor ao Brasil —resposta que não admite, no vocabulário, a palavra omissão. É hora de reparação da ordem institucional-democrática. Abraçar a candidatura de Lula, no primeiro turno, afastará turbulências já previstas no segundo momento. Ser protagonista em um arco social amplo e participar de uma coalizão progressista é a escolha que permitirá a PMDB, PDT e PSDB se reconciliarem com sua antiga essência democrática.

Do mesmo modo, para a elite econômica, é hora de atuar na reparação. Os anos recentes foram de danos à democracia, ao desenvolvimento econômico e às instituições republicanas. A normalidade econômica e social foi afetada.

Aliás, a escolha não é tão difícil. E nunca foi. O oponente é conhecido, no meio de onde surgiu, como um "mau militar", segundo definição de um superior hierárquico, o general Ernesto Geisel. O oponente mostrou ao Brasil —e ao mundo— um modelo de governança autoritária, onde prevalecem o desprezo pela vida e a implacável vontade de reduzir direitos sociais, de afrontar minorias e de gerar ainda mais pobreza. Como se vê, a opção em Lula é ainda mais fácil.

Observação: Shakespeare escreveu "Júlio César" e conta que, ao se deparar com o autoritarismo do imperador César, o senador Marcus Junius Brutus não se omitiu. Diante da fragilidade da República romana, refere-se ao ditador César como o "ovo de serpente" que, por sua natureza, se tornará nocivo. "Assim, matemo-lo enquanto está na casca", aconselhava.

Sem a brutalidade do senador romano, as atitudes de desprendimento do PMDB, do PDT e do PSDB —aliadas aos gestos de responsabilidade social das "elites"— podem antecipar, no primeiro turno, um novo e auspicioso ciclo para o país. Contando com sistemas eletrônicos e urnas confiáveis e seguras, os brasileiros abreviarão os dias difíceis a que estão submetidos e votarão em Lula como opção de esperança e de anseio por um país mais justo, mais diverso e mais inclusivo.


Ninguém pode mais pecar pela omissão. Chegou a hora de decisões cruciais para as futuras gerações.

Recordando um dos sermões do Padre António Vieira, o convite é incisivo: "Um dia vão nos pedir estreita conta do que fizemos, mas muito mais ainda do que deixamos de fazer". Em outras palavras, a omissão pode acarretar um castigo muito mais severo.

Chegou a hora, já no primeiro turno das eleições de outubro, de antecipar escolhas e de afastar o risco da opressão e dos descaminhos —econômicos e sociais—, cujos estilhaços já estão por toda parte.

É hora de reconstruir e de unir, para recuperar e reconciliar o nosso país. Podemos, juntos, afastar de vez o risco de um período de incertezas e de violência que um segundo turno materializaria no Brsail.

Façamos do nosso voto um contundente veto a Jair Bolsonaro (PL). É Lula já!

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